Entenda o caos e
possíveis soluções para o sistema carcerário do país
Massacre em
Roraima
A explosão da
população carcerária brasileira nos últimos 15 anos, que saltou de 233 mil
presos em 2000 para 622 mil no final de 2014, segundo dados do Departamento
Penitenciário do Ministério da Justiça, agravou o quadro de superpopulação no
sistema penitenciário do país, que é, a um só tempo, sintoma de uma série de
disfunções e causa de tantas outras.
A Folha
consultou oito especialistas em segurança pública e prisões para criar um
panorama dos principais problemas do sistema e mostrar como se articulam e se
retroalimentam. O quadro geral aponta que não existe solução fácil nem imediata
e que será preciso investimento e priorização para que as mudanças necessárias,
de fato, ocorram.
Causas
PRISÃO
PROVISÓRIA
Em média, 40%
dos presos brasileiros ainda não foram julgados. Preso provisório é aquele que
é alvo de flagrante policial, isto é, que praticou crimes passíveis de
testemunho dos agentes de polícia: em geral, tráfico de drogas, furto e roubo.
O percentual de
presos provisórios é o mesmo de presos que excedem o número de vagas no
sistema. "A gente precisa realmente mandar essas pessoas para a
cadeia?", questiona Fábio Sá e Silva, pesquisador do Ipea e ex-coordenador
de ensino do Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça.
PRESOS PROVISÓRIOS PELO MUNDO
Em %
DESARTICULAÇÃO
Policiais,
promotores, defensores, juízes, secretários, governadores, ministros e
parlamentares, além de chefes dos três Poderes, operam ou influem de alguma
maneira no sistema prisional brasileiro, mas de forma descoordenada. "Cada
um faz só um pedacinho do trabalho", diz Renato Sérgio de Lima, do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública. Para ele, é por causa disso que, "quando
alguém é condenado, ele some dentro do sistema, e ninguém fica responsável por
ele". Faltam cooperação e monitoramento.
MOROSIDADE DA
JUSTIÇA
Há lentidão do
sistema de justiça criminal em responsabilizar alguém por um ato criminoso.
Estudos apontam que um homicídio pode tramitar por mais de nove anos na
Justiça, como apontado nos tribunais de Belo Horizonte.
Segundo o analista
criminal Guaracy Mingardi, "muitos presos provisórios ficam mais tempo
presos do que o tempo de suas posteriores condenações. E isso cria um
sentimento de injustiça no preso, aumentando seu antagonismo com o Estado e a
probabilidade de ele se aliar a uma facção criminosa."
MOROSIDADE
Duração média de um processo de homicídio doloso (2013)
Cidade | Anos | Meses |
---|---|---|
Belo Horizonte | 9 | 4 |
Belém | 6 | 2 |
Goiânia | 8 | 4 |
Porto Alegre | 5 | 6 |
Recife | 7 | 1 |
FALTA DE
ASSISTÊNCIA JURÍDICA
É dever do
Estado garantir ao preso assistência jurídica para a defesa dos direitos e
garantias do condenado às progressões e regime, livramento condicional e
indulto. A falta desta orientação e o deficit de defensores públicos retêm no
sistema indivíduos que não deveriam estar ali.
"Cerca de
50% dos presos provisórios, que aguardam julgamento, acabam sendo absolvidos.
Outra metade, quando sai a condenação, ela é inferior ao tempo que o preso está
esperando pelo julgamento", afirma Marco Antônio Severo Silva, diretor do
Depen.
PRISÕES EM QUE HÁ ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA,
Em %*
Sim, por ONGs
1
63
Sim, pela defensoria
23
Não
17
Sim, outros
11
Sim, por advogados conveniados
1
Sim, por ONGs
SUPERLOTAÇÃO
EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA NO BRASIL
Em milhares
179.489
135.710
200.000
300.000
400.000
500.000
622.202
2000
’02
’04
’06
’08
’10
’12
2014
Presos
Vagas
308.304
179.489
2003
Há excedente de
42% entre os 622 mil presos brasileiros em relação ao número de vagas, E a
tendência é de aumento dessa população sem acréscimo correspondente na
estrutura já deficitária.
"Superlotação
supõe instalações precárias, dificuldade de atender necessidades do preso e
terreno para proliferação de facções", diz Luis Flávio Sapori,
ex-secretário de Segurança Pública de MG.
SUPERLOTAÇÃO
Taxa de ocupação das vagas em presídios pelo mundo, em %
Consequências
AUSÊNCIA DE
SEPARAÇÃO
A separação
entre presos provisórios e condenados, e, dentre os condenados, a separação de
detentos por natureza e gravidade do crime cometido, está prevista na Lei de
Execuções Penais (LEP) e em tratados de direito internacional.
"Esta é uma
obrigação legal historicamente descumprida pelo Estado brasileiro",
explica Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch no país. Para
ela, tal prática evita que inocentes e réus primários convivam com criminosos
de carreira e facções, gerando as chamadas "escolas do crime".
DEGENERAÇÃO DE
SAÚDE E EDUCAÇÃO
PRESOS QUE ESTUDAM
Apenas 13% dos presos estão envolvidos em atividades educacionais formais ou não. Destes:
A superlotação e
a escassez de investimentos compromete o acesso a direitos básicos previstos em
lei. O deficit educacional entre presos é imenso, e é grande a proliferação de
doenças praticamente erradicadas fora dos presídios, como a tuberculose.
"Ao prover
saúde e educação, o Estado poderia estabelecer outra relação com essas pessoas.
Mas o quadro real reforça o antagonismo entre o sujeito e o Estado, que entra
na vida dele para violentá-lo", avalia Fábio Sá e Silva, pesquisador do
Ipea e ex-coordenador de ensino do Depen.
SAÚDE
% de presos em unidades...
Com módulo de saúde63
Sem módulo de saúde37
% de presos em unidades...
Com módulo de saúde63
Sem módulo de saúde37
MELHORES E PIORES ESTADOS
% de presos em unidades com módulo de saúde
RJ
1
100
BA
100
DF
10
RR
1
RJ
FALTA DE
RESSOCIALIZAÇÃO
Segundo a LEP,
além do caráter punitivo, a sanção penal deve ter como função
"reeducar" o preso e criar condições para a "harmônica
integração social do condenado", o que está longe de ocorrer hoje. Para
Fiona Macaulay, especialista no sistema brasileiro, o mais provável é que hoje
o detento saia do sistema pior do que entrou.
"A
superlotação e a falta de pessoal qualificado fazem com que não se ofereça
nenhuma forma de ressocialização, o que aumenta a reincidência", diz Maria
Laura Canineu, da Human Rights Watch.
PRIORIDADE E
TRANSPARÊNCIA
"Governantes
com recursos escassos não têm interesse em priorizar os presídios, que não rendem
votos", afirma Sá e Silva, do Ipea. Outro índice do descaso com o sistema
carcerário é a falta de dados atualizados sobre o sistema. O último relatório
federal divulgou dados coletados até dezembro de 2014.
Para Marco
Fuchs, da Conectas, a criação de lei federal que garanta e fomente a inspeção
de presídios por entidades de proteção dos direitos humanos é fundamental para
aumentar a transparência e o controle social sobre o sistema.
CONTROLE POR
FACÇÕES
O vácuo deixado
pelo Estado no provimento de direitos básicos dos presos foi preenchido pela
organização das facções criminosas, criadas para coibir a violência entre os
presos e os abusos eventuais de agentes penitenciários.
"As
organizações criminosas colocaram ordem na bagunça, mas ganharam o poder de
'virar' a cadeia", avalia o analista Guaracy Mingardi. Para Luís Flávio
Sapori, ex-secretário de MG, "a ordem interna das prisões hoje é dada
pelos próprios presos, e a direção das unidades estabelece um pacto tácito com
os líderes das facções".
OCIOSIDADE DOS
PRESOS
Para atrair
empresas, a lei determina que presos podem receber menos de um salário mínimo
por mês. Um contrato entre presídio e empresa, no entanto, precisa da mediação
do Estado e de espaço físico adequado ao trabalho.
Num ambiente em
que mal há espaço para presos, é difícil imaginar a disposição desse local.
"Não há espaço físico, e as ferramentas são consideradas ameaças à
segurança, além de a mão de obra ser muito pouco qualificada, já que são
pessoas que vêm de alguma exclusão do trabalho", diz Sá e Silva, do Ipea.
80% DOS PRESOS NÃO TRABALHAM
Entre os que trabalham (em %)
Em atividade externa
25
75
Em atividade interna
25
Em atividade externa
38% não recebem remuneração
7% recebem menos que 3/4 de um salário mínimo
7% recebem menos que 3/4 de um salário mínimo
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