terça-feira, 8 de abril de 2014

Mancha suja na história...

 

A ditadura que persiste

Países vizinhos já julgaram seus comandantes ditatoriais. Aqui, continuamos pisando em ovos

O golpe militar de 31 de março de 1964 completa 50 anos. Cada um lembrará a data segundo lhe convém. Uns poucos – ainda bem que poucos – festejarão o crime contra a democracia como se fosse um ato de heroísmo. Os demais criticarão sem piedade a quartelada que ganhou o apelido de “redentora”. Estarão por aí em seminários acadêmicos, atos partidários, ou simplesmente escrevendo a respeito, como é o caso deste colunista.

Passado meio século da página infeliz – que contou com o apoio decisivo do empresariado, dos Estados Unidos, das ditas autoridades eclesiásticas, da imensa maioria dos meios de comunicação e de um contingente avassalador de professores de Direito em suas egrégias congregações –, ninguém mais gosta de dizer que foi a favor. Há também quem declare arrependimento, algo que não prejudica.

A ditadura militar irrompeu como sintoma e se fixou como doença. Debilitou a saúde nacional em todos os campos (por favor, não venha dizer que “a economia melhorou”, porque mesmo os índices do tal “milagre econômico” foram vilipendiados, usurpados e destroçados por um custo civilizatório superior a qualquer ganho contábil). Não temos o direito de esquecê-la. Quanto mais nos lembramos, mais nos prevenimos contra atrocidades semelhantes.

As viúvas do golpismo têm garantido seu direito de adular a memória dos que tomaram de assalto a capital federal, mas não têm mais a prerrogativa ilegítima de calar os que discordam deles. Nunca mais. O pior presidente eleito é infinitamente melhor do que o mais competente e virtuoso ditador. Em todos os sentidos.

Absolutamente todos.

O esforço de manter viva a memória do trauma também ajuda a enxergar o que resta da ditadura em nossos dias. Essa é a parte mais chata, mas talvez seja a mais imprescindível na efeméride que se aproxima. A tortura, cujas técnicas ultramodernas foram aprendidas com obediência e servilismo pelas forças de repressão já nos anos 1960, continua aí como um impávido colosso. 

Policiais intimidam ilegalmente, seviciam e matam gente indefesa em todas as margens expandidas do Ipiranga. Depois, dão sumiço nos cadáveres. Amarildo não é um só. Amarildo é o nome de uma multidão de brasileiros.

A impunidade também continua incólume, como se fosse cláusula pétrea da negociação que, dizem, permitiu a transição pacífica para a democracia. 

A impunidade dos torturadores – ou, digamos com mais clareza, a impunidade dos civis e militares de alta patente que ordenaram ou permitiram que a tortura acontecesse em instalações sob seus comandos – impera ainda hoje sob o céu da pátria. Por meio da impunidade, o presente bate continência eterna para o passado.


Países vizinhos já julgaram e condenaram à prisão os comandantes ditatoriais. Enquanto isso, as instituições daqui seguem pisando em ovos. Há coisa de duas semanas, a Comissão da Verdade divulgou o nome dos oficiais responsáveis pela tortura e pelo assassinato (seguido de ocultação do cadáver) do deputado Rubens Paiva. A acusação foi lançada, a nação ficou em choque e... nada, nenhuma reação das Forças Armadas. Nenhuma esperança de justiça.

Além da prática da tortura e da impunidade perpétua, há uma face ainda mais perversa que se mantém fulgurante no florão da América. Essa face é a herança mais caprichosa que a ditadura nos legou: a propaganda ufanista. 

É realmente incrível, mas os governos brasileiros não aprenderam, até hoje, que o ufanismo é um recurso útil apenas aos regimes autoritários, pois serve acima de tudo para inibir a divergência. Ora, a democracia se alimenta de dissenso. Logo, a comunicação social de democracia deveria estimulá-lo, pois um ambiente de obediência social favorece não a liberdade, mas a tentação totalitária.

No tempo dos militares, tivemos aquele infame “Brasil, ame-o ou deixe-o” (mal traduzido do slogan americano “Love it or leave it”). Tínhamos também o “Este é um país que vai pra frente” e o “90 milhões em ação”, uma espécie de “marcha soldado” futebolístico. 

Agora, preste atenção. Hoje é tudo igual. “Eu sou brasileiro e não desisto nunca.” Tem cabimento? Os filipinos por acaso desistem logo? Os uruguaios? Os alemães? Será que estão insinuando que o brasileiro tem mais fibra que os outros povos?

A propaganda ufanista afirma subliminarmente que o governo é sinônimo do lábaro estrelado e que quem é contra ele é contra o Brasil. Essa comunicação oficial – autoritária, ética e esteticamente antidemocrática – prossegue imutável. É espantoso. É como se o imaginário da ditadura habitasse os palácios.

Ação imediata...


Presidente Dilma, põe no rótulo, por favor!

Famílias brasileiras se unem em torno da campanha pela identificação de substâncias causadoras de alergia que, em alguns casos, pode ser fatal.

Cara presidente,

Como avó de um menino de três anos, a senhora voltou a se inteirar do universo infantil. Mesmo sendo tão ocupada, a senhora não só brinca com ele, mas ouve de sua filha as últimas do Gabriel. 

A senhora obviamente já conhece músicas da Galinha Pintadinha, deve ter sido apresentada à porquinha Pepa, esses personagens que as crianças pequenas adoram. 

A essa altura, a senhora também deve ter ouvido falar de uma criança ou outra com algum tipo de alergia alimentar, talvez um amiguinho do seu neto, um primo... É muito comum. Parece uma epidemia. É um tal de criança que não pode tomar leite, ou leite de soja, ou amendoim, ou ovo, ou outra coisa qualquer sob risco de apresentar muitos efeitos colaterais. 

Estima-se que 30% dos brasileiros apresentem algum tipo de alergia, desses aproximadamente 20% são crianças. Estamos falando, presidente, de 12 milhões de crianças.

O pior é que muitas dessas crianças manifestam a versão grave da alergia, a anafilaxia. Provocada por alimentos, remédios e até picada de insetos, pode evoluir para choque anafilático em questão de segundos e levar à morte. 

Os pais precisam estar muito atentos. Eles são obrigados a ler rótulos para identificar se naquele biscoito, naquele bolo, naquele hambúrguer tem algo que o filho não pode comer. O problema é que nossos rótulos não falam o suficiente. Mentem e pecam por omissão.  

Descobri isso na prática. Minha filha mais velha tem oito anos e desde os quatro tentamos evitar que ela coma alimentos com traços de leite, soja e carne vermelha. Ela é o que se chama alérgica não mediada, porque apresentará os sintomas dias depois da ingestão do alimento proibido. 

Eles não são graves, mas, como ela mesma diz, “são muito chatos“ por incluir cólica, gases, dor de barriga. Há casos de crianças que vomitam e apresentam sangue nas fezes. Eu já vi minha filha chorar de dor e, como mãe, a senhora deve imaginar como isso me feriu por dentro. Muitas vezes eu fico me perguntando o que causou a última crise. 

E muitas vezes eu não sei. Soube por outra mãe mais bem informada que o fermento usado lá em casa contém traços de leite, embora o rótulo não diga. Toda vez que eu compro um biscoito novo para ela experimentar, fico na dúvida se a “margarina vegetal“ listada entre os ingredientes é simplesmente gordura vegetal ou alguma daquelas margarinas de mercado vetadas na dieta dela por conter leite. 

A senhora sabia que margarina, produzida a partir de gordura vegetal, leva leite? Eu só descobri depois de ser obrigada a ler rótulos. E manter uma dieta correta é um primeiro passo essencial rumo à cura. Sem limpar o organismo dela, não vou conseguir desensibilizá-la. Há chances que isso aconteça.

A vida de mãe que lê rótulo não é fácil. A Mariana, mãe do Mateus, precisa ficar mais atenta do que eu. O caso desta criança é grave. Um dia, ligaram da escola para a Mariana porque Teteu teve um pré-choque com giz. Não é um telefonema que mães gostam de receber, presidente, a senhora deve imaginar. 

Mariana não apenas lê todas as letras miúdas da embalagem. Ela telefona para os SACs e percebe como tem gente despreparada do outro lado da linha para responder às dúvidas dela. O risco é levar o inimigo para dentro de casa. Imagine uma criança alérgica a ovo comendo um arroz caseiro que contém… Ovo na fórmula! 

Essa marca existe, presidente. E não diz nada na embalagem. Sabia que o aviso “sem lactose“ não é atestado de ausência total de leite? A lactose é o açúcar do leite, mas o que causa alergia é a proteína. Eu comprei muito produto “sem lactose“ confiando, presidente. Olha só que dificuldade.

Cecília Cury, uma advogada paulista especializada em infraestrutura, mudou o tema da tese de doutorado para estudar a falta de normas no país sobre o assunto depois de mergulhar no caso do filho menor. A tese foi defendida ano passado, na PUC-SP. 

Para esta pesquisadora, presidente, "a não rotulagem de alérgenos afronta contra o direito à informação, à saúde e à alimentação adequada“. Ela me contou ainda que as mesmas empresas que fazem tudo certo na Europa e nos Estados Unidos não fazem o mesmo aqui. Cecília é mãe de duas crianças.

É revoltante, não é presidente, imaginar que a empresa que na Europa se esmera em produzir alimentos seguros e rotulagem precisa, aqui apenas bote no rótulo que o biscoito tal “pode conter traços de leite“? Sabe por que faz isso, presidente? Porque assim eles se livram de eventuais processos. Fica nas mãos do consumidor correr o risco. E investir em maquinário exclusivo para processar alimentos sem contaminação cruzada custa dinheiro, a gente pode imaginar. Mas não fazer direito, pode custar muito mais.

A Mariana, a Cecília e muitas outras mães e pais lançaram há menos de dois meses uma campanha na internet chamada #poenorotulo. É uma tentativa de convencer a indústria alimentícia sobre a importância de um rótulo bem feito. Estamos falando aqui de segurança alimentar.  A página da campanha já conta com quase 30 mil curtis, presidente. 

Até o Zico aderiu à luta. Tem muita gente atenta à importância do assunto mas decisão que é bom, nada. Para ampliar a conscientização sobre a necessidade de uma rotulagem adequada e fiel dos ingredientes de alimentos, a Organização Mundial de Alergia (WAO) vai realizar a Semana Mundial de Alergia, a partir de amanhã, com eventos no mundo inteiro. 

No Brasil, a iniciativa está representada pela Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. O tema deste ano é justamente a anafilaxia, a versão fatal da alergia.

É preciso lembrar que a multidão refém de rótulos inclui ainda diabéticos, hipertensos, portadores de doenças renais. Todos precisam saber direitinho o que estão comendo. O pleito desse pessoal é comer com segurança. Hoje, todos os produtos alimentícios brasileiros são obrigados por lei a informar se há glúten, uma vitória conquistada por um movimento de portadores de doença celíaca.

Lei para identificar alérgenos seria uma excelente solução, mas uma resolução da Anvisa ajudaria bastante. Crianças como o Mateus, presidente, que tem quase a idade do seu neto Gabriel, agradecem de coração.

Enganos desastrosos...

A maioria está errada

Uma campanha na internet reage contra os 65% que apoiam o estupro - e mostra que o país não pertence a eles

Aos trancos e barrancos, o Brasil vai se tornando um país melhor para quem vive aqui. Um dia depois da pesquisa do IPEA que mostrou que 65% dos homens e mulheres brasileiros acreditam que mulheres que “usam roupa que mostra o corpo merecem ser atacadas” – quer dizer, sexualmente violentadas, estupradas, abusadas – entrou no ar, nas redes sociais, uma reação espontânea contra essa barbaridade.

O movimento chama-se “Não mereço ser estuprada”, foi criado pela jornalista Nana Queiroz, de 28 anos, e tem a cara da internet: quem apoia faz uma foto de si mesmo com uma placa repetindo o mote da campanha. É um selfie com conteúdo. As mulheres aderiram em peso, muitos homens entraram na onda e a página do Facebook do movimento conseguiu – além de centenas de fotos - quase 53 mil apoios. No domingo, o Fantástico entrevistou Nana Queiroz, falou da campanha e abriu as páginas do programa na internet para quem quisesse apoiar o protesto. Valeu Fantástico! Curti!

Muita gente ficou compreensivelmente amargurada com o resultado da pesquisa do IPEA. É duro descobrir que 58,5% das pessoas ao nosso redor (inclusive as mulheres, que foram 66% das pessoas entrevistadas pela pesquisa), acham que se as mulheres “soubessem se comportar” haveria menos estupros. Essa lógica é fruto da mais profunda ignorância.

Na Arábia Saudita, talvez o país mais atrasado do mundo em termos de costumes, onde as mulheres não podem guiar automóveis ou andar sozinhas nas ruas, uma pesquisa entre homens concluiu que a culpa dos estupros é da maquiagem. Como as mulheres sauditas andam cobertas dos pés à cabeça, e os homens só lhes veem os olhos, disseram que elas são estupradas porque usam rímel. Quer dizer: ao exibir apenas os olhos maquiados, elas não estão se comportando, por isso são violentadas.
Faz sentido essa conversa de má fé? Faz sentido atribuir às mulheres a culpa pela violência criminosa dos homens? Claro que não. Nem lá, nem aqui. No mundo inteiro, sabe-se que as mulheres são estupradas usando todo tipo de roupa - inclusive o uniforme militar, quando servem o exército.

A alegação de que “a culpa do estupro é delas” - por estarem usando saia curta, ou por estarem sozinhas na rua, ou por andarem de trem, voltando do trabalho – é uma ladainha machista que serve de desculpa para criminosos. No Brasil, os números do IPEA mostram que essa visão distorcida da realidade prolifera sobretudo entre pessoas de pouca instrução, assim como entre alguns grupos religiosos.

“Chama atenção o fato de que os católicos têm chance 1,4 vez maior de  concordarem total ou parcialmente com essa afirmação (a culpabilização do comportamento feminino pela violência sexual), e evangélicos 1,5 vez maior”, diz o estudo. Eu, que não sou religioso, mas cresci entre uma família católica e outra batista, não reconheço esse cristianismo do “estupro merecido”.

O que mais me chocou na pesquisa, porém, foi o apoio das mulheres à ideias que vão contra elas mesmas. Devem ser mulheres tristes, recalcadas, que foram ensinadas a difamar aquelas que agem com liberdade em relação ao próprio corpo. Por exibir pernas e decote, as “exibidas” mereceriam ser estupradas. O problema com essa ideia – além do preconceito sem justificativa contra a roupa e o comportamento dos outros - é que estuprador não escolhe assim.

Segundo o IPEA, 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes. E 11% são do sexo masculino, adultos ou meninos. Diante desses números, como fica a conversa sobre roupas? Vamos esconder as pernas dos nossos meninos de 10 anos ou seria melhor proibir as meninas de 12 anos de usarem vestidos? Da minha parte, acho mais produtivo denunciar à polícia os caras que andam pelas ruas assediando mulheres e meninas. Ou defendendo na internet o estupro e o encoxamento no transporte público. Esses são os verdadeiros culpados. As mulheres, adolescentes e crianças são vítimas.

Um dos efeitos surpreendentes da campanha de Nana Queiroz foi a reação direta dos grupos pró-estupro contra ela. Os amigos e simpatizantes dos estupradores foram à página dela no Facebook (homens e mulheres, vejam bem) para ameaçar, xingar e se gabar de já ter estuprado. Formou-se uma corrente de baixaria e ignorância de dar asco, que teve a resposta que merecia: mais apoio à atitude de Nana, mais repercussão na imprensa (inclusive internacional) e mais gente, muito mais gente, postando fotos e aderindo ao movimento.

É por isso que eu acho que o Brasil tem jeito.

No passado, uma pesquisa como essa do IPEA teria ficado apenas na constatação de que a maioria dos brasileiros (inclusive as mulheres) é moralmente a favor do estupro, desde que as mulheres estejam usando saia curta. Não haveria uma voz para rebater esse absurdo. Os machistas, os ignorantes e os moralistas teriam, por assim dizer, a última palavra. Agora, não.

Uma moça valente ficou indignada, fez um post no Facebook, e, de repente, abriu espaço para que milhares de pessoas mostrassem a sua indignação com a barbaridade exibida pela pesquisa. E isso acabou na TV, em horário nobre. Quer dizer, a turma do estupro pode ser maioria estatística, mas eles foram acuados pela reação da minoria moral – que, neste caso, acima de qualquer dúvida, representa não apenas a Lei, mas a Justiça e a Civilização como nós a entendemos no século XXI. Tudo em letras maiúsculas.

ATUALIZAÇÃO:
Soube esta tarde, sexta-feira 4 de abril, que o IPEA errou feio na pesquisa que deu origem à coluna desta semana, com o título "A maioria está errada".  Agora, o órgão que fornece estatísticas para o governo diz que 26% dos brasileiros acham que mulheres que "usam roupa que  mostre o corpo merecem ser atacadas". 

O número ainda é alto, mas está longe dos aberrantes 65% divulgados antes. Mas o IPEA insiste que o outro dado chocante - que 58,5% dos entrevistados acham que se as mulheres "soubessem se comportar" haveria menos estupros - continua válido. Eu acho incongruente: se "apenas" 26% culpam a roupa das mulheres pelos estupros, por que 58,5% acreditam que o estupro é culpa do comportamento das mulheres? 

Talvez a pesquisa do IPEA não tenha um só erro, mas vários. De qualquer forma, com a revisão do percentual de pessoas que acha que as mulheres merecem ser atacadas, algumas coisas que eu disse na coluna perderam a validade, a começar pelo título. 

É a minoria que está errada, não a maioria. 

Ainda bem. O que permanece firme é o meu otimismo em relação à capacidade de reação da parte saudável do país. Confrontada com um aparente absurdo machista, pessoas de bem como a jornalista Nana Queiroz se mobilizaram em defensa da decência, da liberdade e contra o obscurantismo. Isso demonstra que o país melhorou. Isso mostra que o Brasil tem jeito.

Sem profundidade...

 
Gente que comenta sem ler
Reflexões sobre uma epidemia digital

Clique em qualquer notícia de um grande portal, vá à seção de comentários e faça sua aposta: quantas pessoas realmente leram todo o texto antes de comentar? Quando comecei no jornalismo, ingênuo acreditava que todos liam tudo. Os anos me tornaram cético. Hoje, tenho certeza de que o número é próximo de zero. Na internet, quase todos nós lemos muito mal.

Num universo de leitura fragmentada, os comentaristas conseguem se destacar negativamente. Ao contrário dos outros maus leitores, que prestam conta apenas às suas consciências, quem comenta deixa registrada, definitivamente, a sua falta de atenção. Só não morrem de vergonha disso porque sabem que ninguém notará suas falhas. Afinal, se quase ninguém lê as notícias, é seguro apostar que mesmo o mais absurdo dos comentários passará despercebido por todos. Exceto, é claro, por outros comentaristas.

Quanto maior a audiência de uma notícia, maior a chance de a caixa de comentários se transformar numa sala de bate-papo delirante, sem nenhuma relação com o assunto original. Não importa se o texto é sobre a Petrobras, sobre novas marcas de esmalte ou sobre o álbum da Copa: sempre haverá uma desculpa para transformá-lo em palco para brigas políticas. 

Quando a vontade de expressar uma opinião é irresistível, a lógica é o que menos importa. O Flamengo perdeu? A culpa é da Dilma. O vocalista do Muse perdeu a voz? A culpa é da Dilma. Pensei num terceiro exemplo, mas tive um branco momentâneo. A culpa disso, evidentemente, é da Dilma.

Sempre há um ou outro justiceiro que gasta seu tempo apontando incoerências nos comentários alheios. São criaturas exóticas: leem não só os textos, como também os comentários - e ainda se dão ao trabalho de notar quando não há qualquer relação entre uma coisa e outra. 

Os esforços desses bravos heróis são em vão: a horda de comentaristas enfurecidos imediatamente os descartará como lacaios de algum partido político ou, pior ainda, metidos a intelectuais. Bem feito. Quem mandou gastar seu tempo lendo um texto na internet?

Comentários em redes sociais são ainda piores. Lá, não é necessário nem mesmo clicar na notícia para palpitar sobre ela. Basta ler o título do post que um amigo compartilhou e o campo de comentários estará logo abaixo, com todos os seus encantos. Eu falei em ler o título? Bobagem. Não importa o que esteja escrito lá: a culpa sempre será da Dilma. Ou seria do PSDB?

No último primeiro de abril, o site da National Public Radio (NPR) aplicou uma pegadinha impiedosa em seus leitores: publicou, no Facebook, um texto com o título "Por que a América não lê". Centenas de pessoas comentaram o assunto. Algumas discordavam, indignadas. Outras concordavam e discorriam longamente sobre as causas desse fenômeno. 

O texto da notícia, que ninguém leu, explicava a piada e dizia algo como "os americanos leem, mas temos a impressão de que eles só olham o título antes de comentar". Eu não saberia dizer precisamente o que estava escrito lá: confesso que não li o texto da NPR. Vi o link no Facebook de um ou dois amigos e decidi comentar sobre o assunto mesmo assim.

Por muito tempo acreditei que a multidão que comenta sem ler era a escória da internet. Que o mundo seria melhor se lêssemos todos os textos antes de palpitar sobre eles. Eu estava errado. Hoje penso exatamente o contrário. 

A enorme maioria dos textos que circulam pela internet é inútil. Os comentaristas ensandecidos simplesmente decidiram parar de perder tempo com esse tipo de bobagem. São seres mais evoluídos do que nós. Basta aplicarem em algo útil todas as horas de leitura superficial que economizam e logo dominarão o mundo.

Saber comentar sem ler é uma habilidade indispensável para ser bem sucedido no mundo digital. Se você ainda não aderiu, pare de ler agora e junte-se a nós. Seja bem-vindo ao futuro.

O próximo passo rumo à iluminação digital é aprender a não ler e não comentar.

As discussões na internet, convenhamos, nunca mudaram a opinião de ninguém. Nos meus anos menos esclarecidos, li muitos debates em seções de comentários. Nunca vi um crítico do governo terminar uma discussão com "pensando bem, acho que a culpa não é da Dilma". 

Ou um ativista, após longas réplicas e tréplicas, decidir dar o braço a torcer: "diante de todos os argumentos aqui expostos, cheguei à conclusão de que #vaitercopa." As discussões virtuais são tão dispensáveis quanto às notícias que as antecedem. Abençoado seja quem guarda sua opinião para si e cultiva o silêncio digital. É o que vou fazer agora. Até a próxima semana.

Chatonildos em demasia..


Eu não mereço
O que fazer para se defender do assédio das mensagens invasivas nos celulares?

Enquanto nossa pátria-mãe, tão distraída, é subtraída em tenebrosas transações, nós, os honestos, que não temos contas conjuntas com doleiros, não andamos em jatos de bandidos nem mamamos nas tetas públicas somos assediados, atacados, invadidos. Não falo de assalto de colarinho sujo ou branco. É um lance prosaico, cotidiano e irritante. Não aguento mais receber mensagens em meu celular, muitas com meu nome, às vezes soando de madrugada, no almoço sábado ou no café domingo.

Umas tentam me vender objetos, outras buscam meus dados, algumas me prometem prêmios, outras me parabenizam, umas sugerem que eu evite multas e vire bandida... e ainda há as ameaçadoras. Selecionei algumas que entraram em meu celular, me acordaram, interromperam almoços, conversas, trabalho. Os ingleses chamam de “junk mail”. É lixo mesmo. O que fazer para se defender desse assédio? Trocar de linha o tempo todo? Multar? Muitas mensagens gritam,  em maiúsculas. Todos os erros de grafia e acentuação foram mantidos.

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Consequência do fatiamento africano pelos colonialistas europeus...


Ruanda relembra os 20 anos do genocídio que matou 1 milhão

Durante cerimônia, presidente do país acusou a França, a Bélgica e a Igreja Católica pelo colonialismo europeu na África
 O presidente de Ruanda, Paul Kagame, discursa durante cerimônia que relembra os 20 anos após o genocídio no país (Foto: Ben Curtis/AP)
O presidente de Ruanda, Paul Kagame, discursa durante cerimônia que relembra os 20 anos após o genocídio no país.

Há 20 anos, o assassinato do então presidente de Ruanda Juvénal Habyarimana em um atentado de avião desencadeou um dos piores massacres do século XX. Durante cem dias, homens da maioria étnica hutu mataram membros da minoria tutsi e hutus moderados. Estima-se que entre 800 mil a 1 milhão de pessoas morreram em cerca de três meses. Nesta segunda-feira (7), Ruanda começou uma série de cerimônias para relembrar o genocídio e honrar vítimas e familiares.

As principais homenagens estão sendo feitas no Tutsi Amahoro Stadium, em Kigali, capital de Ruanda. Nesse local, 12 mil pessoas se refugiaram durante o genocídio. O presidente de Ruanda, Paul Kagame, acendeu uma tocha que queimará durante cem dias e recebeu o nome de "Chama do Luto Nacional".

A cerimônia foi marcada por luto e choro por parte de uma multidão de pessoas presentes no estádio. Muitas passaram mal e tiveram que ser atendidas pelas equipes médicas. Ainda assim, os ruandeses compareceram em peso e assistiram aos discursos do presidente e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Em seu discurso, Kagame culpou a colonização europeia na África pelo genocídio. "O legado mais devastador do controle europeu em Ruanda foi a transformação das distinções sociais. Fomos classificados de acordo com um marco inventado em outro lugar", disse.
 Homem é carregado após passar mal por lembrança dos fatos ocorridos há 20 anos em Ruanda, quando um genocídio matou entre 800 mil a 1 milhão de pessoas no país (Foto: Ben Curtis/AP)
Homem é carregado após passar mal por lembrança dos fatos ocorridos há 20 anos em Ruanda, quando um genocídio matou entre 800 mil a 1 milhão de pessoas no país. 
Uma mulher entrou em desespero e precisou ser carregada para fora do estádio Amahoro, na cidade de Kigali, em Ruanda, durante a homenagem aos 20 anos do Genocídio vivido no país em 1994. Líderes de todo o mundo participaram da celebração à 800 mil vítimas (Foto: Chip Somodevilla/Getty Images)
Uma mulher entrou em desespero e precisou ser carregada para fora do estádio Amahoro, na cidade de Kigali, em Ruanda, durante a homenagem aos 20 anos do Genocídio vivido no país em 1994. Líderes de todo o mundo participaram da celebração à 800 mil vítimas.

Durante a cerimônia, Kagame disse que o país ainda busca "uma mais completa explicação" do genocídio, e se voltou contra as autoridades francesas. O governo acredita que a França, na época aliada dos hutus, teve participação no massacre. Em francês, Kagame disse que "nenhum país é tão poderoso que mude os fatos". Depois, continuou o discurso em inglês, e também criticou a Bélgica e a Igreja Católica pelo massacre.

No fim de semana, o embaixador da França em Ruanda foi informado pelas autoridades do governo que não poderia participar da cerimônia. Com as acusações, a França cancelou sua participação no evento.

Antes do genocídio, a França tinha boas relações com o governo da maioria hutu em Ruanda, inclusive com venda de armas ao governo. Com o início do massacre, as princpipais autoridades diplomáticas francesas deixaram o país, e em junho de 1994 uma força militar francesa foi enviada a Ruanda para impedir massacres. A França nega qualquer participação no genocídio.

Ban Ki-moon: "a ONU deveria ter feito mais"

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, também participou da cerimônia em Kigali. Ban disse que o genocídio "pesa na consciência" da ONU, que fracassou em sua missão de proteger as pessoas na ocasião. "Muitos membros da ONU mostraram uma coragem extraordinária, mas poderíamos ter feito muito mais. Deveríamos ter feito muito mais", disse.

Antes do genocídio, a ONU tinha uma missão de paz no país, a Missão de Assistência das Nações Unidas para Ruanda, com soldados de vários países instruídos a observar o tratado de paz que encerrou a guerra civil um ano antes. Durante as primeiras hostilidades, dez soldados belgas da ONU foram mortos, o que fez a Bélgica retirar todas as suas tropas, seguida por demais países. No auge do genocídio, a ONU contava apenas com 200 homens, sem autorização para atirar ou qualquer condição de impedir o massacre que se seguiu.
 Ruandeses acendem velas durante cerimônia religiosa para relembrar os 20 anos do genocídio em Ruanda (Foto: Ben Curtis/AP)
Ruandeses acendem velas durante cerimônia religiosa para relembrar os 20 anos do genocídio em Ruanda.

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Brasileiro está mais infeliz e teme perder emprego, mostra pesquisa

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SÃO PAULO - O início de 2014 não está sendo fácil para os brasileiros. Além de o desemprego assombrar os profissionais do país, eles estão ainda mais insatisfeitos com a vida, revelou um estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Segundo o levantamento, o Índice de Medo de Desemprego aumentou 0,8% entre dezembro de 2013 e março de 2014, saindo de 73 para 73,6 pontos. Na comparação com março de 2013, o medo é ainda maior, com um aumento de 6,7% no índice.

O medo do desemprego abrange também praticamente todos os cortes da pesquisa (gênero, idade, grau de instrução, renda familiar, condição e porte do município e região), exceto na região Nordeste, onde o índice ficou praticamente estável, com queda de 0,1%.

Entre dezembro e março, o índice foi crescente de acordo com a renda familiar dos entrevistados, passando de 3% para aqueles de renda familiar até 1 salário mínimo e alcançando 14,2% para aqueles com renda familiar acima de 10 salários.

Satisfação com a vida
Já o Índice de Satisfação com a Vida recuou 1% em março, na comparação com dezembro de 2013. O índice também apresenta queda quando comparado com o mesmo período do ano anterior, com -2,2%.

A satisfação com a vida reduziu para a maioria dos cortes da pesquisa em relação a dezembro. Quando confrontados com os dados de março de 2013, o resultado é ainda pior: apenas as famílias com renda de até 1 salário apresentaram aumento no índice (crescimento de 1,4%).

Mais uma etapa superada...