Gente que
comenta sem ler
Reflexões
sobre uma epidemia digital
Clique em qualquer notícia de um grande portal, vá
à seção de comentários e faça sua aposta: quantas pessoas realmente leram todo
o texto antes de comentar? Quando comecei no jornalismo, ingênuo acreditava que
todos liam tudo. Os anos me tornaram cético. Hoje, tenho certeza de que o
número é próximo de zero. Na internet, quase todos nós lemos muito mal.
Num universo de leitura fragmentada, os
comentaristas conseguem se destacar negativamente. Ao contrário dos outros maus
leitores, que prestam conta apenas às suas consciências, quem comenta deixa
registrada, definitivamente, a sua falta de atenção. Só não morrem de vergonha
disso porque sabem que ninguém notará suas falhas. Afinal, se quase ninguém lê
as notícias, é seguro apostar que mesmo o mais absurdo dos comentários passará
despercebido por todos. Exceto, é claro, por outros comentaristas.
Quanto maior a audiência de uma notícia, maior a
chance de a caixa de comentários se transformar numa sala de bate-papo
delirante, sem nenhuma relação com o assunto original. Não importa se o texto é
sobre a Petrobras, sobre novas marcas de esmalte ou sobre o álbum da Copa:
sempre haverá uma desculpa para transformá-lo em palco para brigas políticas.
Quando a vontade de expressar uma opinião é irresistível, a lógica é o que
menos importa. O Flamengo perdeu? A culpa é da Dilma. O vocalista do Muse
perdeu a voz? A culpa é da Dilma. Pensei num terceiro exemplo, mas tive um
branco momentâneo. A culpa disso, evidentemente, é da Dilma.
Sempre há um ou outro justiceiro que gasta seu
tempo apontando incoerências nos comentários alheios. São criaturas exóticas:
leem não só os textos, como também os comentários - e ainda se dão ao trabalho
de notar quando não há qualquer relação entre uma coisa e outra.
Os esforços
desses bravos heróis são em vão: a horda de comentaristas enfurecidos
imediatamente os descartará como lacaios de algum partido político ou, pior
ainda, metidos a intelectuais. Bem feito. Quem mandou gastar seu tempo lendo um
texto na internet?
Comentários em redes sociais são ainda piores. Lá,
não é necessário nem mesmo clicar na notícia para palpitar sobre ela. Basta ler
o título do post que um amigo compartilhou e o campo de comentários estará logo
abaixo, com todos os seus encantos. Eu falei em ler o título? Bobagem. Não
importa o que esteja escrito lá: a culpa sempre será da Dilma. Ou seria do
PSDB?
No último primeiro de abril, o site da National
Public Radio (NPR) aplicou uma pegadinha impiedosa em seus leitores: publicou,
no Facebook, um texto com o título "Por que a América não lê".
Centenas de pessoas comentaram o assunto. Algumas discordavam, indignadas.
Outras concordavam e discorriam longamente sobre as causas desse fenômeno.
O
texto da notícia, que ninguém leu, explicava a piada e dizia algo como "os
americanos leem, mas temos a impressão de que eles só olham o título antes de
comentar". Eu não saberia dizer precisamente o que estava escrito lá:
confesso que não li o texto da NPR. Vi o link no Facebook de um ou dois amigos
e decidi comentar sobre o assunto mesmo assim.
Por muito tempo acreditei que a multidão que
comenta sem ler era a escória da internet. Que o mundo seria melhor se lêssemos
todos os textos antes de palpitar sobre eles. Eu estava errado. Hoje penso
exatamente o contrário.
A enorme maioria dos textos que circulam pela internet
é inútil. Os comentaristas ensandecidos simplesmente decidiram parar de perder
tempo com esse tipo de bobagem. São seres mais evoluídos do que nós. Basta
aplicarem em algo útil todas as horas de leitura superficial que economizam e
logo dominarão o mundo.
Saber comentar sem ler é uma habilidade
indispensável para ser bem sucedido no mundo digital. Se você ainda não aderiu,
pare de ler agora e junte-se a nós. Seja bem-vindo ao futuro.
O próximo passo rumo à iluminação digital é
aprender a não ler e não comentar.
As discussões na internet, convenhamos, nunca
mudaram a opinião de ninguém. Nos meus anos menos esclarecidos, li muitos
debates em seções de comentários. Nunca vi um crítico do governo terminar uma
discussão com "pensando bem, acho que a culpa não é da Dilma".
Ou um
ativista, após longas réplicas e tréplicas, decidir dar o braço a torcer:
"diante de todos os argumentos aqui expostos, cheguei à conclusão de que
#vaitercopa." As discussões virtuais são tão dispensáveis quanto às
notícias que as antecedem. Abençoado seja quem guarda sua opinião para si e
cultiva o silêncio digital. É o que vou fazer agora. Até a próxima semana.
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