terça-feira, 8 de abril de 2014

Ação imediata...


Presidente Dilma, põe no rótulo, por favor!

Famílias brasileiras se unem em torno da campanha pela identificação de substâncias causadoras de alergia que, em alguns casos, pode ser fatal.

Cara presidente,

Como avó de um menino de três anos, a senhora voltou a se inteirar do universo infantil. Mesmo sendo tão ocupada, a senhora não só brinca com ele, mas ouve de sua filha as últimas do Gabriel. 

A senhora obviamente já conhece músicas da Galinha Pintadinha, deve ter sido apresentada à porquinha Pepa, esses personagens que as crianças pequenas adoram. 

A essa altura, a senhora também deve ter ouvido falar de uma criança ou outra com algum tipo de alergia alimentar, talvez um amiguinho do seu neto, um primo... É muito comum. Parece uma epidemia. É um tal de criança que não pode tomar leite, ou leite de soja, ou amendoim, ou ovo, ou outra coisa qualquer sob risco de apresentar muitos efeitos colaterais. 

Estima-se que 30% dos brasileiros apresentem algum tipo de alergia, desses aproximadamente 20% são crianças. Estamos falando, presidente, de 12 milhões de crianças.

O pior é que muitas dessas crianças manifestam a versão grave da alergia, a anafilaxia. Provocada por alimentos, remédios e até picada de insetos, pode evoluir para choque anafilático em questão de segundos e levar à morte. 

Os pais precisam estar muito atentos. Eles são obrigados a ler rótulos para identificar se naquele biscoito, naquele bolo, naquele hambúrguer tem algo que o filho não pode comer. O problema é que nossos rótulos não falam o suficiente. Mentem e pecam por omissão.  

Descobri isso na prática. Minha filha mais velha tem oito anos e desde os quatro tentamos evitar que ela coma alimentos com traços de leite, soja e carne vermelha. Ela é o que se chama alérgica não mediada, porque apresentará os sintomas dias depois da ingestão do alimento proibido. 

Eles não são graves, mas, como ela mesma diz, “são muito chatos“ por incluir cólica, gases, dor de barriga. Há casos de crianças que vomitam e apresentam sangue nas fezes. Eu já vi minha filha chorar de dor e, como mãe, a senhora deve imaginar como isso me feriu por dentro. Muitas vezes eu fico me perguntando o que causou a última crise. 

E muitas vezes eu não sei. Soube por outra mãe mais bem informada que o fermento usado lá em casa contém traços de leite, embora o rótulo não diga. Toda vez que eu compro um biscoito novo para ela experimentar, fico na dúvida se a “margarina vegetal“ listada entre os ingredientes é simplesmente gordura vegetal ou alguma daquelas margarinas de mercado vetadas na dieta dela por conter leite. 

A senhora sabia que margarina, produzida a partir de gordura vegetal, leva leite? Eu só descobri depois de ser obrigada a ler rótulos. E manter uma dieta correta é um primeiro passo essencial rumo à cura. Sem limpar o organismo dela, não vou conseguir desensibilizá-la. Há chances que isso aconteça.

A vida de mãe que lê rótulo não é fácil. A Mariana, mãe do Mateus, precisa ficar mais atenta do que eu. O caso desta criança é grave. Um dia, ligaram da escola para a Mariana porque Teteu teve um pré-choque com giz. Não é um telefonema que mães gostam de receber, presidente, a senhora deve imaginar. 

Mariana não apenas lê todas as letras miúdas da embalagem. Ela telefona para os SACs e percebe como tem gente despreparada do outro lado da linha para responder às dúvidas dela. O risco é levar o inimigo para dentro de casa. Imagine uma criança alérgica a ovo comendo um arroz caseiro que contém… Ovo na fórmula! 

Essa marca existe, presidente. E não diz nada na embalagem. Sabia que o aviso “sem lactose“ não é atestado de ausência total de leite? A lactose é o açúcar do leite, mas o que causa alergia é a proteína. Eu comprei muito produto “sem lactose“ confiando, presidente. Olha só que dificuldade.

Cecília Cury, uma advogada paulista especializada em infraestrutura, mudou o tema da tese de doutorado para estudar a falta de normas no país sobre o assunto depois de mergulhar no caso do filho menor. A tese foi defendida ano passado, na PUC-SP. 

Para esta pesquisadora, presidente, "a não rotulagem de alérgenos afronta contra o direito à informação, à saúde e à alimentação adequada“. Ela me contou ainda que as mesmas empresas que fazem tudo certo na Europa e nos Estados Unidos não fazem o mesmo aqui. Cecília é mãe de duas crianças.

É revoltante, não é presidente, imaginar que a empresa que na Europa se esmera em produzir alimentos seguros e rotulagem precisa, aqui apenas bote no rótulo que o biscoito tal “pode conter traços de leite“? Sabe por que faz isso, presidente? Porque assim eles se livram de eventuais processos. Fica nas mãos do consumidor correr o risco. E investir em maquinário exclusivo para processar alimentos sem contaminação cruzada custa dinheiro, a gente pode imaginar. Mas não fazer direito, pode custar muito mais.

A Mariana, a Cecília e muitas outras mães e pais lançaram há menos de dois meses uma campanha na internet chamada #poenorotulo. É uma tentativa de convencer a indústria alimentícia sobre a importância de um rótulo bem feito. Estamos falando aqui de segurança alimentar.  A página da campanha já conta com quase 30 mil curtis, presidente. 

Até o Zico aderiu à luta. Tem muita gente atenta à importância do assunto mas decisão que é bom, nada. Para ampliar a conscientização sobre a necessidade de uma rotulagem adequada e fiel dos ingredientes de alimentos, a Organização Mundial de Alergia (WAO) vai realizar a Semana Mundial de Alergia, a partir de amanhã, com eventos no mundo inteiro. 

No Brasil, a iniciativa está representada pela Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. O tema deste ano é justamente a anafilaxia, a versão fatal da alergia.

É preciso lembrar que a multidão refém de rótulos inclui ainda diabéticos, hipertensos, portadores de doenças renais. Todos precisam saber direitinho o que estão comendo. O pleito desse pessoal é comer com segurança. Hoje, todos os produtos alimentícios brasileiros são obrigados por lei a informar se há glúten, uma vitória conquistada por um movimento de portadores de doença celíaca.

Lei para identificar alérgenos seria uma excelente solução, mas uma resolução da Anvisa ajudaria bastante. Crianças como o Mateus, presidente, que tem quase a idade do seu neto Gabriel, agradecem de coração.

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