A obsolescência da psicanálise e as suas consequências
para a noção de indivíduo em Hebert Marcuse
A psicanálise tenta explicar
como se dá a formação da personalidade do indivíduo e sua relação com o seu
interior e também com o exterior. Veja o que Freud e Marcuse dizem a respeito.
A psicanálise tenta explicar
como se dá a formação da personalidade do individuo
A teoria psicanalítica de Freud
foi desenvolvida para explicar os processos psíquicos que caracterizavam os
padrões de comportamento do indivíduo inserido em uma sociedade em que prevaleciam
os valores burgueses consolidados e que, embora surgisse em época e local
determinados, pretendia-se universal.
Tal teoria esboçava os
vínculos libidinais que proporcionavam a existência da civilização
num período sub-histórico. Cada indivíduo possui um princípio que tende a ser
satisfeito, que é o princípio de prazer ou pulsão de Eros. Há também
outro princípio que busca retornar ao estado de vida inorgânica ou de repouso
absoluto. É o chamado princípio de morte ou pulsão de Thânatos. Ambas
são pulsões do inconsciente ou ID e caracterizam-se por serem
associais, amorfas, etc.
A psicanálise tenta explicar
como se dá a formação da personalidade do individuo ou EGO e qual a
relação entre este e o seu interior (ID) e também com o exterior
ou SUPEREGO. Este último caracteriza-se por apresentar-se sob o
princípio de realidade que se impõe ao indivíduo de forma repressiva
(necessária e mínima para que exista a vida orgânica). No desenvolvimento da
teoria, este princípio de realidade é apresentado como o “pai” que subjuga os
filhos, impõe-lhes a abstinência sexual (devido ao desejo incestuoso para com a
mãe) e determina os padrões a serem seguidos. Porém, o princípio de prazer ou a
energia erótica destes “filhos” não admitem, num primeiro momento, a autoridade
e a imposição paterna, e então, ocorre o parricídio (ação que já
busca a liberdade – fruição das pulsões). Mas sem orientação, porque lhes falta
autonomia suficiente (a necessidade do “pai”), os filhos assassinos
reestabelecem a moral paterna.
A obsolescência desta teoria se
deve por causa das modernas formas de vida nas sociedades industriais
avançadas: o pai (ou a família dominada por ele) já não é mais o núcleo
transmissor do princípio de realidade que antes submetia, sob coação física, o
sujeito, tornando-o obediente a tal agente. Nestas sociedades, os filhos saem
mais cedo de casa, podem escolher seus postos de trabalho (não herdando os do
pai) e há muita “liberdade” sexual. Já não há mais o pai, o que torna a teoria
insustentável.
Entretanto, Marcuse, apesar de
evidenciar que a teoria tornou-se obsoleta, ultrapassada no sentido individual,
explicita sua verdade de forma ainda mais necessária ao nível social. Enquanto
que ao nível do indivíduo e voltada para a terapia (adequando o indivíduo à
ordem), esta teoria parece inadequada; pode ela servir apenas para auxiliar na
compreensão dos processos psíquicos individuais nas sociedades industriais
avançadas. Isto porque nestas sociedades, onde já não existe a figura do pai,
constitui-se um modelo heterônomo em relação ao indivíduo. Nas sociedades de
massas, o sujeito histórico foi substituído pela produtividade. Esta é a
verdadeira fonte de dominação que, uma vez posta em movimento, atingiu um
estágio no qual se movimenta a si mesma. É ela que determina os valores sociais
a serem seguidos porque estabelece uma relação com os indivíduos. Visando
satisfazer as necessidades básicas dos seres humanos, com o tempo criou-se
necessidades supérfluas que precisam ser consumidas e que tal consumo se
apresenta como satisfação compensatória das energias pulsionais eróticas,
fazendo-se acreditar que se é livre por poder obter bens (basta ver as
propagandas da Honda, Coca-cola, Volksvagem, por exemplo, em que se associa a
ideia de liberdade apenas adquirindo tal produto!).
Portanto, não há sujeito
dominante. Há sim uma massa amorfa que oscila entre produtos fungíveis que
necessita de líderes e estes, de forma secundária (já que dominante é o sistema
produtivo) são também fungíveis e supérfluos. Estes líderes ou grupos aos quais
pertencem certa massa coletiva estabelecem vínculos sentimentais com seus
indivíduos e a identificação do EGO com o pai é substituída pela identificação
com o EGO coletivo. O problema consiste no desequilíbrio entre as duas pulsões.
Se se altera a pulsão de Eros, sobrecarrega-se a de Thânatos, o que gera uma
grande quantidade de energia agressiva destrutiva acumulada que é redirecionada
para um inimigo arquetipicamente construído. É o risco da irracionalidade que
forma as sociedades afluentes onde a manutenção do sistema alienado de produção
se dá pela repressão camuflada que ocasiona o estado beligerante de caráter
permanente e em que outros agentes sociais são formadores de comportamento.
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