sábado, 3 de setembro de 2016

Democracia altiva...

Resultado de imagem para dilma sofreu impeachment 2016

Muita gente acha que foi golpe
Para “pacificar a nação”, Temer terá de se entender com a nação. Caso contrário, será um presidente tíbio.

Ao tomar posse da Presidência da República em caráter definitivo, na quarta-feira passada, Michel Temer falou em “pacificar a nação e unir o Brasil”. Interessante. É como se o impeachment fosse uma página virada, um assunto liquidado, uma batalha vencida. É como se a tempestade tivesse acabado e fosse chegada a hora de varrer os escombros, reconstruir os lares, recomeçar a vida e... “pacificar a nação”. Realmente, interessante.

A verdade é que nada está resolvido. O novo governo tem pela frente a urgência de adotar medidas drásticas, que não foram aprovadas em eleições. Temer deverá implantar um programa amargo que não foi votado por ninguém. E aí? Como fazer para que o povo apoie as reformas antipáticas? E como vencer a resistência nada desprezível de opositores como Dilma e Lula?

Definitivamente, a vida do novo governo não vai ser simples como tomar posse, pegar um avião e viajar para a China. Na iminência de perdas salariais e de direitos previdenciários, os sindicatos vão chiar. Do outro lado, o capital vai pedir pressa. Para completar, haverá o monstro do apetite dos parlamentares, que, convocados a aprovar mudanças impopulares, vão exigir recompensas as mais diversas (cargos, tapinhas nas costas e outras coisas mais). Não, não vai ser um passeio.

Para Michel Temer, o mais difícil vem agora. Ele tem alguma chance de sucesso? Em tese, sim. Poderá ser vitorioso se o país – apesar de não ter votado nele e, principalmente, apesar de não ter votado no programa de reformas que ele diz que vai fazer – tiver calma para escutá-lo e escrutínio para entendê-lo. Sua sorte dependerá da comunicação que terá (ou não) com os brasileiros. Para “pacificar a nação”, terá de se entender com “a nação”. Se não for compreendido, não será apoiado. Se não for apoiado, não terá margem de ação. Se não souber gerar um mínimo de legitimidade por meio da comunicação de boa-fé, será um presidente tíbio, pior do que interino.

Mas, atenção, a chance de sucesso existe, como eu já disse, em tese, apenas em tese. As dificuldades reais são enormes, além de justas. Para que o país compreenda o que Temer pretende fazer e sustente as medidas que ele pretende adotar, é necessário que esse mesmo país compreenda, antes, a razão pela qual ele virou presidente do Brasil.

É complicado. Você mesmo, que agora lê esta coluna. Você é uma pessoa bem informada e disposta, muito disposta, a se informar direito. Pois pense e responda. Você sabe explicar por que motivo, exatamente, Dilma Rousseff teve seu mandato cassado? Não vale se esquivar no subterfúgio de dizer “ah, o julgamento foi político”. Você sabe bem que o impeachment veio alicerçado em acusações ditas “objetivas”: as pedaladas fiscais e os decretos de suplementação orçamentária sem autorização do Congresso Nacional. Você sabe que Dilma não foi acusada de ter parte com a corrupção, de ter sido omissa no combate à corrupção, nada disso. O crime que ela teria cometido foi que, em seu governo, houve uma pedalada aqui e um decreto ali. Pois então: você entendeu como isso aconteceu e por que isso deve ser punido com a perda do mandato? É capaz de explicar isso para um visitante estrangeiro de modo que ele assimile toda a história com clareza e tranquilidade?

Não sei quanto a você, mas muita gente, mas muita gente mesmo, não entendeu nada. Para muita gente, inclusive gente boa, essa conversa de pedalada não passa de pretexto, uma espécie de “rebimboca da parafuseta” jurídica. Junte a isso o fato de que qualquer pessoa entende muito bem o que é um “golpe” – uma tacada traiçoeira, uma conspiração, uma tramoia mal explicada – e você vai entender na hora o que levou Chico Buarque e Caetano Veloso – tão celebrados “intérpretes” da “alma nacional” – a protestar contra o “golpe”.

Você pode até argumentar que não há golpe se o presidente do Supremo Tribunal Federal comandou todo o julgamento – e terá razão nesse ponto. Você poderá dizer que, no estado de direito, a Justiça é aquilo que os tribunais superiores, com base na lei, decidem que é justo – e, de novo, terá razão. Acontece que uma Justiça que não se explica – e que o povo não entende – pode ser uma Justiça de pernas curtas.

Fora isso, se a Justiça é aquilo que os juízes decidem que é justo, um “golpe” não deixa de ser aquilo que o povo enxerga como “golpe”. Por aí começam os problemas de Michel Temer. São problemas políticos e semânticos. Ele não sobreviverá se seguir sendo chamado de “golpista”.

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