Muita gente acha que foi golpe
Para “pacificar a
nação”, Temer terá de se entender com a nação. Caso contrário, será um
presidente tíbio.
Ao tomar posse da
Presidência da República em caráter definitivo, na quarta-feira passada, Michel
Temer falou em “pacificar a nação e unir o Brasil”. Interessante. É como se o
impeachment fosse uma página virada, um assunto liquidado, uma batalha vencida.
É como se a tempestade tivesse acabado e fosse chegada a hora de varrer os
escombros, reconstruir os lares, recomeçar a vida e... “pacificar a nação”.
Realmente, interessante.
A verdade é que nada
está resolvido. O novo governo tem pela frente a urgência de adotar medidas
drásticas, que não foram aprovadas em eleições. Temer deverá implantar um
programa amargo que não foi votado por ninguém. E aí? Como fazer para que o
povo apoie as reformas antipáticas? E como vencer a resistência nada
desprezível de opositores como Dilma e Lula?
Definitivamente, a
vida do novo governo não vai ser simples como tomar posse, pegar um avião e
viajar para a China. Na iminência de perdas salariais e de direitos
previdenciários, os sindicatos vão chiar. Do outro lado, o capital vai pedir
pressa. Para completar, haverá o monstro do apetite dos parlamentares, que,
convocados a aprovar mudanças impopulares, vão exigir recompensas as mais
diversas (cargos, tapinhas nas costas e outras coisas mais). Não, não vai ser
um passeio.
Para Michel Temer, o
mais difícil vem agora. Ele tem alguma chance de sucesso? Em tese, sim. Poderá
ser vitorioso se o país – apesar de não ter votado nele e, principalmente,
apesar de não ter votado no programa de reformas que ele diz que vai fazer –
tiver calma para escutá-lo e escrutínio para entendê-lo. Sua sorte dependerá da
comunicação que terá (ou não) com os brasileiros. Para “pacificar a nação”,
terá de se entender com “a nação”. Se não for compreendido, não será apoiado.
Se não for apoiado, não terá margem de ação. Se não souber gerar um mínimo de
legitimidade por meio da comunicação de boa-fé, será um presidente tíbio, pior
do que interino.
Mas, atenção, a
chance de sucesso existe, como eu já disse, em tese, apenas em tese. As
dificuldades reais são enormes, além de justas. Para que o país compreenda o
que Temer pretende fazer e sustente as medidas que ele pretende adotar, é
necessário que esse mesmo país compreenda, antes, a razão pela qual ele virou
presidente do Brasil.
É complicado. Você
mesmo, que agora lê esta coluna. Você é uma pessoa bem informada e disposta,
muito disposta, a se informar direito. Pois pense e responda. Você sabe
explicar por que motivo, exatamente, Dilma Rousseff teve seu mandato cassado?
Não vale se esquivar no subterfúgio de dizer “ah, o julgamento foi político”.
Você sabe bem que o impeachment veio alicerçado em acusações ditas “objetivas”:
as pedaladas fiscais e os decretos de suplementação orçamentária sem
autorização do Congresso Nacional. Você sabe que Dilma não foi acusada de ter
parte com a corrupção, de ter sido omissa no combate à corrupção, nada disso. O
crime que ela teria cometido foi que, em seu governo, houve uma pedalada aqui e
um decreto ali. Pois então: você entendeu como isso aconteceu e por que isso
deve ser punido com a perda do mandato? É capaz de explicar isso para um
visitante estrangeiro de modo que ele assimile toda a história com clareza e
tranquilidade?
Não sei quanto a
você, mas muita gente, mas muita gente mesmo, não entendeu nada. Para muita
gente, inclusive gente boa, essa conversa de pedalada não passa de pretexto,
uma espécie de “rebimboca da parafuseta” jurídica. Junte a isso o fato de que
qualquer pessoa entende muito bem o que é um “golpe” – uma tacada traiçoeira,
uma conspiração, uma tramoia mal explicada – e você vai entender na hora o que
levou Chico Buarque e Caetano Veloso – tão celebrados “intérpretes” da “alma
nacional” – a protestar contra o “golpe”.
Você pode até
argumentar que não há golpe se o presidente do Supremo Tribunal Federal
comandou todo o julgamento – e terá razão nesse ponto. Você poderá dizer que,
no estado de direito, a Justiça é aquilo que os tribunais superiores, com base
na lei, decidem que é justo – e, de novo, terá razão. Acontece que uma Justiça
que não se explica – e que o povo não entende – pode ser uma Justiça de pernas
curtas.
Fora isso, se a
Justiça é aquilo que os juízes decidem que é justo, um “golpe” não deixa de ser
aquilo que o povo enxerga como “golpe”. Por aí começam os problemas de Michel
Temer. São problemas políticos e semânticos. Ele não sobreviverá se seguir
sendo chamado de “golpista”.
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