A Cultura não se Enquadra na Totalidade Política
A cultura nunca poderá ser um fator estratégico de
mudança. Se é estratégia, não é cultura. Faz-se apelo à cultura como
estratégia de mudança, tentando resolver a condição perturbadora do homem
culto, munido de culpabilidade inconsciente, ou simplesmente isento da
culpabilidade pelo sofrimento. Isso não é possível. A cultura não se enquadra
na totalidade política. Há um grave mal-entendido quanto a isso. A cultura não
significa o conforto da neutralidade, a irônica graduação da expectativa, a
ginástica do não-compromisso. Significa um enraizamento em si mesmo, que
conserva no homem a faculdade de julgar. Não é contrária à ação, mas é
condição necessária para que a ação seja serena e útil, e não impaciente e
desordenada. Não se trata de racismo espiritual; não se trata da pretensão de
existir à parte da história política do mundo. É a intenção absolutamente
necessária de ser livre, face aos acontecimentos, qualquer que seja a lógica
que os liga. A cultura é o que identifica um povo com a sua finalidade.
Agustina Bessa-Luís, in 'Dicionário Imperfeito'
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