domingo, 24 de agosto de 2014

PRECONCEITO VIVO, PRESENTE E ATIVO...


Elevador de serviço e banheiro de empregada

Se um negro quer entrar num prédio, tem de enfrentar o preconceito contra pobres e contra negros

Todo mundo adora dizer que o Brasil é um país sem preconceito. Enquanto, nos Estados Unidos, a luta contra o preconceito racial tomou proporções épicas, aqui sempre se disse que não existia esse tipo de coisa, ou, talvez, só muito pouco. Seria caso de rir, não fosse sério. Se você for afrodescendente, já deve saber como é. 

Entrar num prédio de classe média alta é uma aventura. Em geral, indicam a entrada de serviço. Porque, aí, se acumulam dois preconceitos: um contra a cor da pele, o outro contra a pobreza. O preconceito contra os pobres também é tremendo. Ninguém manda um médico subir pelo elevador de serviço, mas o encanador sim. Ambos não prestarão um serviço? Pela lógica, deveriam ser tratados de maneira igual.


Há alguns anos estive na África, pós-apartheid. Ahn? Quem disse mesmo que acabou? Fiquei num hotel fantástico. No conjunto, havia outros hotéis, de categorias diferentes. Em todos, sentados às mesas, brancos ou orientais. Servindo, negros. O contrário não vi, em nenhuma situação. Aqui é igual. A gente vai a um restaurante, muitos garçons são de ascendência africana. Raramente se vê um afro sentado à mesa. Sempre tive minha desconfiança do sistema de cotas na universidade. Acreditava que o importante era dar boa formação na escola fundamental e média e tornar os alunos de escolas públicas tão competitivos quanto os das particulares. Também acho que um sistema em que o candidato declara a que grupo pertence dá margem a fraudes. Mas hoje, pensando bem, tem outro jeito? Apesar de tudo, ainda não vejo solução melhor que as cotas.

A gente vai a bancos, a empresas e, nos cargos de direção, majoritariamente, vemos brancos. Nas empresas orientais, os próprios orientais. Em São Paulo, há a Universidade Zumbi dos Palmares, mantida com dificuldade, que oferece vagas a afrodescendentes e já conseguiu a cooperação de bancos, como o Bradesco, para oferecer vagas a seus formandos. É uma forma de integração. Mas quantas existem?

O preconceito está arraigado na forma de pensar nacional. Vejam a planta de boa parte dos apartamentos atuais. Até mesmo os menores têm o maldito banheiro de empregada. (Que é negra ou pobre – ou os dois.) Já discuti com um amigo a inutilidade desse banheiro.

– Mas é útil – ele respondeu, surpreso.

– Só me explique: por que a empregada ou a faxineira não podem usar o banheiro dos patrões? É como se tivessem uma doença contagiosa, que contamina.

Mas as pessoas continuam preferindo apartamentos com banheiro de empregada, não? Crianças e adolescentes de colégios caros costumam hostilizar colegas bolsistas, até os de classe média, que não podem se vestir como eles e manter o mesmo padrão de vida. E se irritam se o menos rico tenta disfarçar. Um dia destes, uma garota que conheço comentou, irritada, ao falar de uma colega.

– Ela tenta fingir, mas sei que é pobrinha. Não é como nós.

Ser pobre é pecado?

No mesmo colégio, outra aluna, de classe média, faz questão de descer do carro materno duas quadras antes, por se tratar de um modelo comum, não de um importado de luxo, como das outras colegas. O pior é que, quando alguém é tratado de forma diferente, seja pelo biotipo, seja pela situação financeira, acaba achando que tem mesmo algo errado. Sente-se inferior. E isso vale também para quem tem comportamento diferente: gays, lésbicas e até mesmo – é de pasmar – quem gosta de estudar, não vai muito a baladas, recusa a vida social. Sei por mim mesmo. 

Todas as semanas sou pressionado a comparecer a eventos, como se fosse errado simplesmente querer ficar comigo mesmo. Judeus também vivem constatando a tal “falta de preconceito”. Basta algo que envolva os judeus – da construção de um metrô abortada num bairro de predominância judaica a um acirramento nas questões de Israel –, o preconceito explode. Como se cada judeu fosse culpado pelos fatos cotidianos ou pelas decisões de Israel. Basta olhar a internet. O preconceito solta fogo como um dragão.

No livro A metamorfose, de Franz Kafka, o personagem principal transforma-se numa barata. Excluído, no quarto, caminha para o final. Quando acontece, e a família é informada de que se livraram da barata, a vida segue normalmente.

É assim que o preconceito funciona no Brasil. A maioria finge que nada acontece, mas mantém um comportamento semelhante ao daquela família: querem se ver livres, distantes, daquele estranho que, julgam, deve ser excluído de sua forma de viver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mais uma etapa superada...