‘As pessoas diziam que eu
estava louca’, diz autora do pedido de impeachment
Advogada diz ter a esperança de mudar o mundo e que é hora de
"passar o país a limpo"
Aos 41 anos, a advogada Janaína Paschoal vive momentos de
celebridade: "Me param muito para tirar selfies na rua. No mercado, na
feira, no elevador, em todo lugar. Recebi muitas cartas, até de brasileiros que
vivem no exterior", conta.
Professora livre docente da Faculdade de Direito da USP, onde
entrou como aluna aos 17 anos, ela é uma das autoras do pedido de impeachment
da presidente Dilma Rousseff em tramitação na Câmara. A recepção calorosa pelos
defensores do afastamento da presidente, opina, tem motivo: "Acho que as
pessoas estavam com isso engasgado".
Com um perfil conservador, Janaína se define como uma
"canceriana romântica" que espera poder "mudar o mundo".
Diz ser politicamente liberal, mas contra a legalização do aborto e das drogas,
e a favor das cotas para negros nas universidades.
Em entrevista à BBC Brasil, ela falou sobre a crise política, o
relacionamento com petistas e o que vê como o desfecho ideal para o atual
impasse. "É um momento de passar o país a limpo, caia quem tiver que cair,
doa a quem doer, inclusive se for do PSDB, do PMDB e de todos os outros
partidos", afirma.
Ela defende todos os argumentos do pedido de impeachment, assinado
com os juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. Confira os principais trechos
da entrevista:
BBC Brasil - O que a levou a redigir o pedido de impeachment?
Janaína Paschoal - Foi uma ideia que passou por um processo
demorado de maturação. Entre a primeira intenção e a conversa com o Hélio
Bicudo foram três meses, depois de falar com muita gente. Falei sobre o tema na
OAB de São Paulo, onde sou conselheira, e também com professores de direito e
colegas advogados. Até o PSDB eu procurei, mas ninguém se habilitava. Muitos
temiam que suas carreiras ou escritórios fossem prejudicados.
Nas manifestações antigoverno eu via uma frustração muito
grande. Ficava muito triste ao ver que não davam em nada, e comecei a perceber
a população desanimada. Em agosto do ano passado houve um protesto em que me
convidaram a subir num carro do (movimento) Vem Pra Rua, e acabei fazendo um
discurso. E aí tudo aconteceu em uma semana.
Me apresentaram ao Hélio Bicudo dias depois e ele foi o primeiro
a realmente acreditar em mim. Quando penso neste dia tenho vontade de chorar,
porque os outros me olhavam como se eu fosse louca, mas com ele foi um encontro
de almas. O Miguel Reale Jr. já tinha feito pareceres a respeito, havia sido
meu orientador na USP, e também nos ajudou.
BBC Brasil - A senhora entrou na Faculdade de Direito da USP, a
tradicional São Francisco, com 17 anos. Como tem sido a convivência com
professores e alunos com perfil de esquerda na instituição?
Paschoal - O Largo São Francisco é a minha casa. Na graduação
não tive problemas, mas assim que eu entrei como professora, sim. Me sinto
como um peixe fora d’água, e não só nas questões político-partidárias. É uma
mentalidade muito diferente, como um todo.
É quase verdade absoluta lá que você tem que legalizar todas as
drogas. Também acham que temos que legalizar o aborto e a exploração da
prostituição. Eu não concordo com nada disso. Sou o que a gente pode chamar de
liberal, no sentido inglês, e lá é um espaço muito marxista.
BBC Brasil - A senhora diz ter muitos amigos petistas. Como tem
sido a convivência com eles?
Paschoal - Tenho vários amigos petistas. Não toco no assunto com
eles, porque não aguentam. Muitos falam "e o PSDB?". E aí eu digo: o
que eu tenho a ver com isso? Eu não sou do PSDB. Se eles devem, que paguem. Até
agora não houve rompimento de relações com ninguém, mas no começo foi muito
difícil. Tive dificuldades com alguns parentes, mas acho que agora já
conseguimos superar.
A verdade é que o petista não tem liberdade de pensamento. Para
eles o Lula é Deus. É intocável e está acima da lei. Não vou endeusar ninguém.
Eles acreditam que, pela história dele, ele pode tudo, e infelizmente ele
também acreditou nisso, e a presidente também.
BBC Brasil - Como vê as acusações de que o governo está sendo
vítima de um golpe, que o impeachment é mais baseado em posições políticas do
que em evidências de irregularidades?
Paschoal - Estou tão cansada de repetir a mesma coisa. Está tudo
escrito no pedido. Os documentos estão lá, todo o processo do Tribunal de
Contas da União, todas as delações do petrolão. Perto do que vemos hoje, o
Collor era brincadeira. Essa acusação de golpe é chavão, é discurso de petista.
BBC Brasil - Por essa lógica, podemos dizer então que os gritos
de "Fora Dilma, Fora PT" também são chavões? Não seria a mesma coisa?
Paschoal - Não gosto de chavão, mas é "Fora PT" mesmo,
eu quero que saia mesmo. Agora, por que é golpe? Por que eles não explicam? Por
que não entram no mérito, nos detalhes das coisas?
BBC Brasil - Como avalia a participação de grupos que defendem a
intervenção militar nos protestos antigoverno?
Paschoal - Acho que é falta de perceber que, de todos os
regimes, o melhor é a democracia, e que defender uma ditadura é uma visão
estreita.
Não gosto de ditadura, nem de direita e nem de esquerda, nem
militar nem civil. Não é um discurso que me agrada, assim como não me agrada o
discurso marxista de querer também fechar aqui, e virar uma Cuba. Defendo o
direito de as pessoas falarem o que quiserem. Não é porque não concordo que vou
condenar.
BBC Brasil - Grupos e até juristas que apoiam o governo dizem
que não houve comprovação de crime de responsabilidade em nenhum dos elementos
elencados no pedido de impeachment e na Lava Jato. Como a senhora responde?
Paschoal - Ou as pessoas não estão acompanhando o que está
acontecendo no país, ou não sei mais o que é necessário, porque ter
responsabilidade implica em tomar providências para fazer a situação cessar e
responsabilizar subalternos pelas irregularidades, mas a presidente
simplesmente nega os fatos com relação a isso.
Todo esse pessoal que está preso ou esteve preso era próximo a
ela. Ela era avisada de que as coisas não estavam bem. E o que ela fazia? Subia
no palanque e dizia que era tudo armação, que era golpe, que era mentira, e que
a Petrobras estava maravilhosa. Isso não é um comportamento condigno com o
cargo de presidente.
As pessoas confundem corrupção com crime de responsabilidade. Em
nenhum lugar eu escrevi que a presidente pegou dinheiro para ela. O que eu
escrevi é que ela não tomou as providências inerentes ao cargo. Disseram que
Edinho Silva fez negociações e abrem um inquérito. Ela põe o homem como
ministro (da Secretaria de Comunicação Social). O Lula está sendo investigado,
e ela põe o homem como ministro.
O Nestor Cerveró foi ela quem indicou e todo mundo sabe que ele
operava tudo aquilo ali. O Paulo Roberto Costa foi até no casamento da filha
dela, e, apesar de todos os indícios vindo à tona, ela seguia negando e não
afastava as pessoas.
Crime de responsabilidade não está ligado necessariamente a
pegar dinheiro para si. Ela tem responsabilidade de zelar pela gestão, pela
coisa pública, e afastar quem está sendo investigado, ou quando já há elementos
suficientes, mudar diretores. Ela não fez nada disso. Não é negligência, é dolo
mesmo. Houve intenção. Ela se omitiu dolosamente. Ela sabia, e o senador
Delcídio do Amaral acabou de falar na delação premiada que ela sabia.
BBC Brasil - Como vê o fato de a Comissão Especial ter retirado
a delação do Delcídio do pedido de impeachment?
Paschoal - A delação confirmou tudo que a gente escreveu no
pedido. É apenas uma prova a mais de que a gente estava com a razão lá atrás.
Acho que estão sobrando elementos para esse impeachment. Se ele vai ocorrer ou
não, é outra história. Mas, do ponto de vista técnico jurídico, digo que tem
que sair.
Anexei a delação do Delcídio como prova, mas ela foi desanexada
a pedido dos deputados, inclusive da oposição. Não consigo entender.
BBC Brasil - Também há críticas quanto às pedaladas fiscais. A
imprensa relatou que elas foram utilizadas nos municípios e Estados, e que se o
Brasil destituir uma presidente com base nisso, ao menos 16 governadores também
poderiam ter o mesmo fim.
Paschoal - Sobre isso há documento que não acaba mais. Foram
muitos anos. Isso ocorreu em 2013, 2014 e 2015, pegando dinheiro dos bancos
públicos sem contabilizar, e não só para programas sociais, mas também para
passar para empresários, quebrando os bancos públicos, fazendo uma
contabilidade fictícia, de fachada, dizendo que nós tínhamos superávit quando
na verdade estávamos com um rombo bilionário.
Sobre os governadores, que tirem, que saiam todos, chega.
BBC Brasil - A senhora diz que outro motivo forte para a queda
do governo são os indícios de uma corrupção sistemática, que permeia o
Executivo, congressistas e estatais. Como avalia as acusações, em delações
premiadas, de que a República vem funcionando assim há décadas, incluindo
governos anteriores?
Paschoal - Eu acho que o PT abraçou a corrupção como um método
de governo. Vejo uma diferença entre o PT e os governos anteriores. Isso
significa que as corrupções anteriores tenham que ficar impunes? Não. Todos
devem ser punidos. Mas houve um salto no PT em termos de valores. Não vou pôr a
mão no fogo e dizer que não aconteceu (antes), mas não acho que era um método,
como os petistas têm, com esquemas desenhados e estruturados.
BBC Brasil - Como a senhora avalia a decisão, do juiz Sergio
Moro de divulgar o grampo da conversa entre Lula e Dilma? Na sua visão, o
diálogo configura tentativa de obstrução da Justiça?
Paschoal - O Moro não é da oposição. Ele é um juiz independente
e sério, que está fazendo um trabalho pelo país merecedor de uma medalha, e não
esse monte de pedidos para ele ser preso.
Sobre a retirada do sigilo, eu particularmente não vejo nenhuma
ilegalidade. Ninguém está falando, por enquanto, que a presidente cometeu um
crime ali, naquele fato. Ele poderia ter sido mais cauteloso e perguntar (ao
Supremo Tribunal Federal)? Talvez. Mas talvez tenha pensado que, se demorasse,
o fato iria se concretizar e Lula viraria ministro.
Sobre o diálogo, entendi a mesma coisa que todo mundo entendeu.
Vai ter que ter uma investigação, claro, mas para mim ela estava dando um
salvo-conduto para que, se viessem prendê-lo, ele pudesse dizer que já era
ministro. Não quero entrar no mérito se trata-se de obstrução da Justiça, mas
creio que no mínimo é uma imoralidade.
BBC Brasil - Como vê a possibilidade de o vice-presidente Michel
Temer ser implicado devido ao processo que tramita no TSE, relacionado ao
financiamento da campanha de 2014, e as acusações e o pedido de cassação que
pairam sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, respectivamente segundo e
terceiro na linha de sucessão?
Paschoal - Veja, a situação do país é complicada. Mas agora por
isso vou deixar no cargo alguém que não tem condições de permanecer? Acho que a
gente precisa começa a enfrentar essa situação, porque não dá mais para jogar a
sujeira para baixo do tapete.
BBC Brasil - Como imagina um Brasil pós-impeachment, e como acha
que seu nome será lembrado no futuro?
Paschoal - Imagino um Brasil onde as crianças realmente vejam
que vale a pena ser correto, ser honesto e fazer o bem.
Preferiria que o vice assumisse e terminasse o mandato e que a
eleição acontecesse no momento adequado, que é 2018. Acho que para o país isso
é melhor. E não é porque eu ame o Temer, é porque é questão institucional, acho
que é melhor que a eleição aconteça na data certa.
Sobre o meu nome, não sei. De verdade eu não sei. A história
pertence aos homens, e o meu compromisso é com Deus, apesar de não ter uma
religião específica. O meu compromisso é com o que eu acho que é justo. Como a
história vai escrever, se é que vai escrever, não me pertence.
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