Ex-empregada
doméstica lança campanha nas redes sociais para denunciar abusos de patrões
Hoje
professora, Joyce Fernandes criou hashtag e página após sucesso de post.
"Joyce, você foi contratada para cozinhar
para a minha família, e não para você. Por favor, traga marmita e um par de
talheres e, se possível, coma antes de nós na mesa da cozinha; não é por nada;
só para a gente manter a ordem da casa."
Essa
foi, segundo a paulista Joyce Fernandes, de 31 anos, uma das frases que ouviu
de uma ex-patroa no último trabalho como empregada doméstica, em 2009.
Hoje
professora de História, ela decidiu criar a hashtag #EuEmpregadaDoméstica e uma
página homônima no Facebook para denunciar o que chamou de "abusos dos
patrões".
"Meu
objetivo é provocar e dar voz a quem não tem. Esse tipo de tratamento desumano
acontece entre quatro paredes e essas mulheres, a maioria negras, não têm com
quem desabafar", conta ela à BBC Brasil.
"Quero
expor o que está sendo varrido debaixo do tapete. É preciso humanizar a relação
entre patrões e empregados. Muitas vezes, naturalizamos agressões e opressões.
Isso está errado", acrescenta.
Cantora
conhecida na cena de rap de Santos, onde vive, Joyce, que se apresenta com o
nome artístico Preta-Rara, conta que a campanha ganhou força após ela postar um
comentário em sua página no Facebook na última quarta.
"Venho
fazendo terapia e, nesse processo de autoconhecimento, tive a ideia de
compartilhar uma situação que havia sofrido na minha página no Facebook com a
hashtag #EuEmpregadaDoméstica. Queria encorajar pessoas que talvez tivessem
passado pela mesma coisa", lembra.
O
sucesso instantâneo surpreendeu Joyce. "Fiquei chocada com a quantidade de
comentários. Meu celular travou com tantas notificações. Criei, então, uma
página no Facebook especialmente para compartilhar esses relatos",
acrescenta.
A
página, criada à meia-noite desta quinta-feira, já tem mais de 20 mil
seguidores.
'Tratamento desumano'
Entre
as centenas de relatos que recebeu, Joyce diz ter ficado particularmente
comovida com o de uma empregada doméstica de 76 anos que teve de subir vários
andares de escada porque o elevador de serviço do prédio onde trabalhava havia
quebrado.
"O
filho dela me contou que a mãe trabalha há 30 anos com a mesma família. Eles
moram em um prédio de alto luxo. O elevador de serviço quebrou e, impedida de
usar o social, ela acabou tendo de subir vários andares de escada", diz.
Segundo
Joyce, a profissão de empregada doméstica deveria "acabar", pois se
trata de um "resquício da escravidão".
"Mas
enquanto isso não acontece, temos de lutar por um tratamento mais humano e
igualitário. Não queremos ser da família. Também não queremos desrespeitar
hierarquia. Queremos apenas um tratamento justo", afirma.
"Infelizmente,
para nós, mulheres negras, ser empregada doméstica é algo hereditário. Minha
mãe, minha tia e minha avó foram empregadas domésticas. Não é possível desassociar
isso da nossa história de escravidão."
Joyce
diz que ouviu de outra patroa que não deveria estudar por causa de sua
"condição social".
"Eu
lhe havia pedido para sair mais cedo para poder fazer um curso pré-vestibular.
Ela se recusou a me liberar dizendo que meu destino era ser empregada
doméstica, como todas as mulheres da minha família", afirma.
"Se
conseguimos lidar com a limpeza do nosso corpo, por que não podemos limpar o
nosso lixo? Por que precisamos de empregadas domésticas?", questiona.
Final feliz
Mas
nem todas as experiências como empregada doméstica foram negativas: Joyce diz
lembrar-se do apoio que recebeu de uma ex-patroa.
"Um
dia estava limpando a prateleira de livros e ela me emprestou um deles. Era
'Olga', do escritor Fernando Morais. Ela me incentivou a retomar os estudos e a
fazer a faculdade de História que eu tanto queria", diz.
Além
de lecionar, Joyce criou um projeto de empoderamento de mulheres acima do peso,
a Ocupação GGG ("Fizemos um ensaio na praia de Santos para combater a
gordofobia"). E também usa a música como instrumento de mudança social.
"Tenho
um projeto pedagógico pelo qual levo o hip hop para as escolas falando sobre
questões sociais dentro de uma abordagem mais pessoal", afirma.
"Prefiro
usar meu microfone para cantar ou recitar a fazer discursos. Acredito que
consiga envolver mais pessoas", conclui.
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