A questão dos toaletes
O banheiro
virou tema de debate. Vou mais longe. Por que há banheiro para homem e para
mulher?
Há alguns
anos traduzi e adaptei para jovens A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas
Filho. A certa altura, empaquei no original francês. O protagonista, Armand,
seguia Marguerite até seu “toilete”. Ela, recostada em um canapé, ouvia as
juras de amor dele, ajoelhado. Quando ele saía, ela pegava uma pequena bacia e
escarrava sangue. Estranhei. Comparei com outras traduções. Em todas,
“toalete”. Mas aqui usa-se o termo para banheiro social. Pede-se, educadamente,
para evitar falar em necessidades físicas.
– Posso ir à
toalete? Rápido!
Mas Armand se
ajoelharia para declarar seu amor ao lado de um vaso sanitário? Marguerite
deitaria no canapé sob o risco de bater a cabeça e dar descarga? Fui à luta.
Busquei plantas de prédios de meados do século XIX, em Paris, como o que
Marguerite moraria. Concluí: tratava-se do que chamaríamos de quarto de vestir,
com um penico embaixo do canapé. O prédio teria um local para jogar as “águas
sujas”, como diz Eça de Queiroz em O Primo Basílio. Traduzi como “quarto de
vestir” para dar uma ideia mais aproximada.
Fiquei
pensando em como adotamos toalete como se fosse um eufemismo. Até bem pouco
tempo atrás, o banheiro não era bem-visto pelos arquitetos. No interior, era
comum que fosse fora da casa. O visitante pedia:
– Posso usar
a casinha?
No lar, só
penicos. Tinham suas vantagens. Estimulavam a flexibilidade das pernas, mesmo
em idades avançadas. Mansões de décadas atrás ofereciam um banheiro para três
quartos. No máximo, uma suíte para o casal. Nos Estados Unidos, segundo o filme
Vidas cruzadas (The help, de Tate Taylor, 2012), nos anos 1960 surgiu o
banheiro de empregada. Questão de racismo, pois as patroas brancas não queriam
usar o mesmo ambiente que as empregadas negras. Uma racista chega a dizer:
“Elas carregam doenças diferentes das nossas”.
Banheiro de
empregada é discriminação. Racial ou social, por pobreza. O que faz alguém
diferente de alguém a ponto de não poder usar o mesmo? No Brasil, a questão nem
foi levantada. Herança das senzalas, os aposentos para empregadas permaneceram.
E nunca se discutiu por que alguém pode trabalhar numa casa, participar da
intimidade e à noite ser trancada num cubículo, com um banheiro cuja porta nem
fecha.
Nos últimos
anos, porém, os arquitetos e construtoras piraram na questão. Um apartamento de
classe média alta hoje oferece todos os quartos com suíte. Mais toalete. E
banheiro de empregada. Digamos, três quartos, cinco banheiros. Recentemente, em
uma festa, ouvi uma ricaça reclamar:
– Mas como só
toalete para visitas? Seria preciso dois!
Livros já
foram objeto de decoração nas salas elegantes. Perderam espaço para torneiras,
pias e chuveirinhos. Apartamentos do tipo quarto e sala chegam a oferecer um
“toalete” para visitas, além da suíte. Nos de luxo, dois banheiros na suíte do
casal, para ele e ela. Que frenesi por banheiros é esse?
Agora vem uma
nova questão, a de gênero. Os conservadores defendem que a pessoa só use o
banheiro correspondente ao sexo da certidão de nascimento. Mesmo transexual ou
travesti. Travestis e transexuais, com razão, sabem que nos banheiros
masculinos podem ser vítimas de ofensas e agressões. Vou mais longe. Por que há
banheiro para homem e mulher? Em eventos, quando vejo as longas filas dos
femininos, costumo brincar com elas, todas tensas, segurando-se, mal-humoradas.
No Japão, em
duas viagens que fiz, percebi que essa diferença é muito relativa. Em baladas,
mulheres usam normalmente banheiros masculinos. Em banhos públicos, próximos de
fontes vulcânicas, homens, mulheres e crianças misturam-se pelados, sem
constrangimento. De banheiro de empregada não sei, até porque japonês nem têm
esse tipo de funcionária. E, com o espaço reduzido de Tóquio, duvido que alguém
tenha quatro suítes. Parece escandalosa e temível essa mistura?
Certa vez, no
Museu do Louvre, em Paris, eu estava em pé, enfileirado, com uns cinco
cavalheiros, naquele momento crucial. Filinha de espera. Uma mulher, turista
oriental, entrou, passou por nós sem dar a menor importância e foi para um
reservado. Tudo com extrema naturalidade.
Não sei
explicar. Só queria entender. Por que o frenesi por banheiros entre os
arquitetos? E como se transformou em debate encarniçado na questão de gêneros?
Não seria mais fácil para quem quer entrar trancar a portinha?
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