domingo, 10 de julho de 2016

Separados? Juntos?



A questão dos toaletes

O banheiro virou tema de debate. Vou mais longe. Por que há banheiro para homem e para mulher?

Há alguns anos traduzi e adaptei para jovens A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho. A certa altura, empaquei no original francês. O protagonista, Armand, seguia Marguerite até seu “toilete”. Ela, recostada em um canapé, ouvia as juras de amor dele, ajoelhado. Quando ele saía, ela pegava uma pequena bacia e escarrava sangue. Estranhei. Comparei com outras traduções. Em todas, “toalete”. Mas aqui usa-se o termo para banheiro social. Pede-se, educadamente, para evitar falar em necessidades físicas.

– Posso ir à toalete? Rápido!

Mas Armand se ajoelharia para declarar seu amor ao lado de um vaso sanitário? Marguerite deitaria no canapé sob o risco de bater a cabeça e dar descarga? Fui à luta. Busquei plantas de prédios de meados do século XIX, em Paris, como o que Marguerite moraria. Concluí: tratava-se do que chamaríamos de quarto de vestir, com um penico embaixo do canapé. O prédio teria um local para jogar as “águas sujas”, como diz Eça de Queiroz em O Primo Basílio. Traduzi como “quarto de vestir” para dar uma ideia mais aproximada.

Fiquei pensando em como adotamos toalete como se fosse um eufemismo. Até bem pouco tempo atrás, o banheiro não era bem-visto pelos arquitetos. No interior, era comum que fosse fora da casa. O visitante pedia:

– Posso usar a casinha?

No lar, só penicos. Tinham suas vantagens. Estimulavam a flexibilidade das pernas, mesmo em idades avançadas. Mansões de décadas atrás ofereciam um banheiro para três quartos. No máximo, uma suíte para o casal. Nos Estados Unidos, segundo o filme Vidas cruzadas (The help, de Tate Taylor, 2012), nos anos 1960 surgiu o banheiro de empregada. Questão de racismo, pois as patroas brancas não queriam usar o mesmo ambiente que as empregadas negras. Uma racista chega a dizer: “Elas carregam doenças diferentes das nossas”.

Banheiro de empregada é discriminação. Racial ou social, por pobreza. O que faz alguém diferente de alguém a ponto de não poder usar o mesmo? No Brasil, a questão nem foi levantada. Herança das senzalas, os aposentos para empregadas permaneceram. E nunca se discutiu por que alguém pode trabalhar numa casa, participar da intimidade e à noite ser trancada num cubículo, com um banheiro cuja porta nem fecha.

Nos últimos anos, porém, os arquitetos e construtoras piraram na questão. Um apartamento de classe média alta hoje oferece todos os quartos com suíte. Mais toalete. E banheiro de empregada. Digamos, três quartos, cinco banheiros. Recentemente, em uma festa, ouvi uma ricaça reclamar:

– Mas como só toalete para visitas? Seria preciso dois!

Livros já foram objeto de decoração nas salas elegantes. Perderam espaço para torneiras, pias e chuveirinhos. Apartamentos do tipo quarto e sala chegam a oferecer um “toa­lete” para visitas, além da suíte. Nos de luxo, dois banheiros na suíte do casal, para ele e ela. Que frenesi por banheiros é esse?

Agora vem uma nova questão, a de gênero. Os conservadores defendem que a pessoa só use o banheiro correspondente ao sexo da certidão de nascimento. Mesmo transexual ou travesti. Travestis e transexuais, com razão, sabem que nos banheiros masculinos podem ser vítimas de ofensas e agressões. Vou mais longe. Por que há banheiro para homem e mulher? Em eventos, quando vejo as longas filas dos femininos, costumo brincar com elas, todas tensas, segurando-se, mal-humoradas.

No Japão, em duas viagens que fiz, percebi que essa diferença é muito relativa. Em baladas, mulheres usam normalmente banheiros masculinos. Em banhos públicos, próximos de fontes vulcânicas, homens, mulheres e crianças misturam-se pelados, sem constrangimento. De banheiro de empregada não sei, até porque japonês nem têm esse tipo de funcionária. E, com o espaço reduzido de Tóquio, duvido que alguém tenha quatro suítes. Parece escandalosa e temível essa mistura?

Certa vez, no Museu do Louvre, em Paris, eu estava em pé, enfileirado, com uns cinco cavalheiros, naquele momento crucial. Filinha de espera. Uma mulher, turista oriental, entrou, passou por nós sem dar a menor importância e foi para um reservado. Tudo com extrema naturalidade.

Não sei explicar. Só queria entender. Por que o frenesi por banheiros entre os arquitetos? E como se transformou em debate encarniçado na questão de gêneros? Não seria mais fácil para quem quer entrar trancar a portinha?


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