Tiros de fuzil em Dallas
Na mesma
cidade em que John F. Kennedy foi assassinado, um atentado brutal expõe a
tensão racial nos Estados Unidos
O barulho de
tiros de fuzil ecoou forte pelas ruas de Dallas, a terceira maior cidade do
Texas, nos Estados Unidos, na noite da quinta-feira, dia 7. Dezenas de vídeos,
gravados por presentes que fugiam do fogo cruzado, circulavam minutos depois
nas redes sociais e exibiam um cenário de horror, caos e medo no coração da
cidade, em um local a poucas quadras da Dealey Plaza, onde o presidente John F.
Kennedy foi assassinado em 1963.
O alvo, desta
vez, eram os policiais texanos que escoltavam uma marcha, pacífica, contra a
violência policial e a morte de jovens negros. Cinco policiais morreram e sete
ficaram feridos depois que quatro atiradores, agindo no que aparenta ser uma ação
coordenada, dispararam tiros no momento em que a manifestação caminhava para
sua conclusão.
Foi o maior
ataque contra forças de segurança no país desde o de 11 de setembro de 2001. Um
dos responsáveis foi encurralado pela polícia. Durante a negociação, segundo os
agentes que o cercaram, ele disse que estava com muita raiva e que queria
“matar policiais brancos”. Terminou morto.
A ação foi
uma resposta – violenta e injustificável, como observou o presidente Barack
Obama – a eventos ocorridos nesta semana, quando, em menos de 48 horas, dois
americanos negros foram mortos em uma abordagem policial. Alton Sterling, em
Louisiana, levou uma sequência de tiros no peito quando estava já imobilizado
no chão por dois policiais.
A ação foi
filmada por testemunhas e publicada na internet. Um dia depois, em Minnesota, a
morte de Philando Castile a tiros foi transmitida ao vivo por sua namorada,
Diamond Reynolds, no Facebook. O casal fora abordado por um policial,
aparentemente por uma lanterna traseira queimada.
Uma criança
de 4 anos, filha de Diamond, presenciou a cena do banco de trás. Depois das
mortes, novamente os Estados Unidos foram tomados por manifestações de revolta
popular.
ATAQUE
A área onde
ocorreu o ataque em Dallas, na quinta-feira, dia 7, durante uma manifestação
pacífica. Cinco policiais morreram vítimas de atiradores.
Sterling e
Castile somam-se à longa lista de mortes de negros em circunstâncias
controversas em abordagens policiais no país. A questão ganhou proeminência
graças à atuação de movimentos como o Black Lives Matter (Vidas Negras
Importam).
O slogan se
tornou internacional depois que a cidade de Ferguson, em Missouri, imergiu em
protestos seguidos de repressão violenta, em 2014. O estopim, daquela vez, foi
o adolescente Mike Brown Jr., de 18 anos, morto a tiros por um policial.
O jovem
estava desarmado. Nas semanas e nos meses que se seguiram, um debate sobre
racismo e uso de força policial tomou conta do país. Desde então, a cada nova
morte de negros por policiais, a discussão vem à tona.
A sequência
de incidentes trágicos eleva o tom da discussão sobre porte de armas, racismo e
uso de força policial nos Estados Unidos. Loretta Lynch, a procuradora-geral
americana e primeira mulher negra a ocupar o cargo, pediu a seus compatriotas
união. “Não podemos deixar que esta semana precipite um novo tipo de
normalidade neste país.
Peço a vocês
que se virem para os outros, não contra os outros”, disse. “Conclamo vocês a
lembrar, todo dia, a cada dia, que somos uma nação. Somos um só povo. E estamos
juntos.”
As
estatísticas disponíveis tendem a corroborar o pleito dos manifestantes que
cobram uma reformulação na maneira como a polícia atua, principalmente em
relação a comunidades de minorias raciais.
Embora, em
números absolutos, a quantidade de brancos mortos em abordagens policiais nos
Estados Unidos seja superior ao de negros, em termos proporcionais negros
morrem mais vítimas de abordagens policiais do que os brancos.
Outros
fatores como pobreza, desigualdade e violência em comunidades periféricas
desempenham um papel na questão. Os números indicam a ocorrência de uma
combinação tóxica de falta de treinamento, transparência, fiscalização e
punição de agentes de segurança envolvidos em abordagens seguidas de morte.
Além de racismo puro e simples, claro.
O pleito por
mudança e reforma na maneira como as forças de segurança trabalham enfrenta a
resistência do corporativismo dos policiais. Em uma triste ironia, a polícia de
Dallas, alvo do ataque da quinta-feira, era citada como exemplo para polícias
do resto dos Estados Unidos, por causa de seu trabalho junto à comunidade e no
uso de estratégias para agir de maneira a impedir uma escalada na tensão
durante abordagens policiais.
Depois que
novos protocolos foram implementados pela corporação, o número de queixas por
violência policial caiu 64% entre 2009 e 2014 na cidade (a maior parte da mudança ocorreu após David Brown, negro,
chegar ao comando da polícia, em 2010). Momentos antes de o tiroteio começar,
sua conta oficial do Twitter compartilhara fotos e vídeos da manifestação,
citando os slogans gritados e enfatizando o caráter pacífico do ato.
O clima de
tensão racial vivido pelo país tem raízes históricas. No entanto, desde a
eleição de Barack Obama, o primeiro negro a ocupar a Presidência do país, em
2008, grupos supremacistas brancos parecem cada vez mais confortáveis em
vocalizar suas posições racistas e virulentas. A candidatura presidencial do
bilionário Donald Trump, que não tem pudor em disparar slogans xenofóbicos e
racistas (a ponto de receber apoio de um ex-líder da organização racista Ku
Klux Klan), também deu voz a esses núcleos.
Depois do
ataque em Dallas, Joe Walsh, um ex-congressista membro do Tea Party, ala
radical do Partido Republicano, tuitou: “Agora é guerra. Preste atenção, Obama.
Prestem atenção, marginais do Black Lives Matter. A América de verdade irá
atrás de vocês”.
Com as
convenções partidárias de democratas e republicanos marcadas para daqui a duas
semanas, em Filadélfia e em Cleveland, é provável que haja protestos,
principalmente em Cleveland, onde ocorrerá a Convenção Republicana. Cleveland é
uma das cidades mais violentas dos Estados Unidos e uma das metrópoles onde há
mais casos de violência policial contra negros. A possibilidade de protestos e
conflitos e os ataques de Dallas fizeram a polícia de Cleveland reforçar o
esquema de segurança.
Não é o
primeiro verão de violência racial nos Estados Unidos. Entre 1965 e 1968, uma
série de tumultos raciais varreu o país e culminou no assassinato de Martin
Luther King Jr., um marco trágico na luta pelos direitos civis dos negros nos
Estados Unidos. Em 1992, a situação foi ainda pior.
Quatro
policiais foram filmados espancando um motorista negro, Rodney King. Depois de
um júri de maioria branca inocentar os policiais, a revolta se espalhou pelas
ruas de Los Angeles. Por seis dias, manifestantes e policiais se enfrentaram
nas ruas. Lojas foram saqueadas, carros foram destruídos, 55 pessoas morreram e
mais de 2 mil ficaram feridas.
Os Estados
Unidos vêm avançando no combate ao racismo – e por isso mesmo atos como os da
semana passada são lamentáveis. Depois de uma série de protestos de negros
lutando pelos direitos civis em Newark e Detroit, em 1967, o então presidente
americano, Lindon B. Johnson, designou uma comissão para tentar entender os
motivos da violência racial.
“Nossa nação
está se movendo em direção a duas sociedades, uma negra e uma branca –
separadas, e desiguais”, escrevia em seu relatório a Comissão Kerner. Se os
americanos não agirem para barrar a onda de ódio e tensão racial, o país pode
reviver cenas que há décadas tenta esquecer.
http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2016/07/tiros-de-fuzil-em-dallas.html
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