As bases do Estado e do
pensamento liberal
O Estado, no pensamento liberal, tem funções e poderes limitados,
devendo conservar os direitos naturais do homem.
John Locke - Pai do pensamento liberal
Segundo Norberto Bobbio, podemos compreender “liberalismo” como uma
determinada concepção de Estado, na qual este tem poderes e funções limitados.
Assim, será o avesso daquele Estado no qual o poder absolutista imperou em boa
parte da Idade Média e da Idade Moderna. Da mesma forma, ele se contrapõe ao
que hoje consideramos ser o Estado social, ou de bem-estar social que se viu na
URSS no século XX. Além disso, Bobbio também aponta que um Estado liberal não é
necessariamente democrático, mas, ao contrário, realiza-se historicamente em
sociedades nas quais prevalece a desigualdade à participação no governo, sendo
ela bastante restrita em termos gerais, limitada a classes possuidoras (BOBBIO,
1995). Obviamente, o Estado liberal seria fruto de um pensamento liberal,
pensamento este discutido por vários intelectuais nos últimos cinco séculos,
mas que teria suas bases nas teses de John Locke (1632-1704), considerado o pai
do liberalismo principalmente por conta de suas ideias em “Dois tratados do
governo civil”, obra publicada no final do século XVII. No primeiro tratado,
ele faz uma crítica ao tipo de Estado caracterizado pelo poder absolutista do
rei, pautado na escolha divina. No segundo tratado, escreve sobre a origem,
extensão e objetivo do governo civil.
Há um trinômio muito importante em sua obra constituído pelos conceitos
de Estado natural, Contrato social e Estado civil. Para Locke, o homem é
anterior à sociedade e a liberdade e a igualdade fazem parte de seu Estado de
natureza. No entanto, elas não são vistas de forma negativa como nas ideias de
Thomas Hobbes (o qual afirma que os sentimentos de liberdade e igualdade
conduzem a guerra constante), mas sim dizem respeito a uma situação de relativa
paz, concórdia e harmonia. Nas palavras de Francisco Welfort (2006), nesse
estado pacífico os homens já eram dotados de razão e desfrutavam da propriedade
que, numa primeira acepção genérica utilizada por Locke, designava
simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais do ser
humano. No estado natural do homem ele possuiria direitos naturais que não
dependeriam de sua vontade (um estado de perfeita liberdade e igualdade). Locke
afirma que a propriedade é uma instituição anterior à sociedade civil (criada
junto com o Estado) e por isso seria um direito natural ao indivíduo, que o
Estado não poderia retirar. “O Homem era naturalmente livre e proprietário de
sua pessoa e de seu trabalho” (WELFFORT, 2006, pg. 85).
Contudo, apesar de John Locke acreditar no lado positivo da liberdade e
da igualdade no estado de natureza, tal situação não estava isenta de
inconvenientes como a violação da propriedade. Para contornar esses
inconvenientes era preciso fazer um contrato social, que unisse os homens a fim
de passarem do estado de natureza para a sociedade civil. Seria necessário
instituir entre os homens um contrato social ou um pacto de consentimento, no
qual o Estado é constituído como “dono” do poder político para assim preservar
e consolidar ainda mais os direitos individuais de cada homem, direitos estes que
eles já possuíam desde o estado de natureza. Assim, “é em nome dos direitos
naturais do homem que o contrato social entre os indivíduos que cria a
sociedade é realizado, e o governo deve, portanto, comprometer-se com a
preservação destes direitos” (MARCONDES, 2008, p. 204). Segundo Welffort, no
Estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser humano à vida, à
liberdade e aos bens estão mais bem protegidos sob o amparo da lei, do árbitro
e da força comum de um corpo político unitário. Este seria o sentido e a
necessidade da formação do Estado como garantidor de direitos.
Não é por outro motivo que John Locke é considerado o pai do
individualismo liberal. Sua obra terá grande influência na conformação do
pensamento liberal ao longo do século XVIII. A doutrina dos direitos naturais
está na base das Declarações dos Direitos dos Estados Unidos (1776) e na
Revolução Francesa (1789). O Estado liberal é o Estado limitado, sendo a função
dele a conservação dos direitos naturais do homem.
Assim, se a defesa dos direitos dos homens é o mote do pensamento
liberal, a valorização do individualismo é uma consequência óbvia e direta no
Estado Liberal ou, nas palavras de Bobbio, “sem individualismo não há
liberalismo” (BOBBIO, 1995, pg. 16). Certamente, o desenvolvimento desses
valores e dessa visão de Estado foi fundamental para o desenvolvimento do
capitalismo enquanto modo de produção, formando as bases jurídicas da sociedade
capitalista. Dessa forma, as questões levantadas são: até que ponto a liberdade
e igualdade entre os homens conseguem andar juntas no sistema econômico
capitalista? Embora o Estado liberal garanta a defesa da liberdade, ele poderia
garantir a igualdade (em seu sentido mais amplo) entre os homens? Fica o
convite à reflexão.
http://www.brasilescola.com/sociologia/as-bases-estado-pensamento-liberal.htm
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