Em 11 anos, número de mortos em
acidentes de trânsito com motos triplica no Brasil
O número de mortos e feridos em acidentes com motos mais que triplicou
no país entre 2002 e 2013. Os dados são do estudo "Retrato da Segurança Viária
no Brasil", obtido pelo UOL.
Das 43.075 mortes no trânsito ocorridas no Brasil em 2013, 12.040
foram motociclistas ou passageiros de motos - mais de três vezes os mortos em
2002, quando 3.773 perderam a vida. Já o número de feridos em acidentes com moto
quadruplicou no período: de 21.692 para 88.682. Para feridos, considerou-se
aqueles que necessitaram de mais de 24 horas de internação.
Os resultados do estudo se baseiam apenas nos acidentes cujo meio de
transporte envolvido foi identificado, descartando as categorias
"outros" e "sem informação". Portanto, os números não se
baseiam no total absoluto registrado no país e apontam que os motociclistas
representaram 37% das mortes e 56% dos feridos nos acidentes em 2013 --motos
constituem 26% da frota nacional de veículos automotores.
De 2002 a 2013, período abordado pelo estudo, acidentes com motos
passaram a ser a principal causa de morte do país quando o motivo é acidente de
trânsito. Em 2002, os acidentes com motos representavam 17% do total de mortes,
enquanto os acidentes com pedestres eram 45% do total e os com carros de
passeio, 30%. Hoje, as motos estão com 37%, contra 31% dos carros e 25% dos
pedestres.
Em termos gerais, o estudo destaca também que a violência no trânsito
mata muitos pedestres e ciclistas. "Chama a atenção o fato de que um em
cada cinco mortos no trânsito brasileiro é pedestre. Em 2013, os acidentes de
trânsito levaram à morte de 8.220 pessoas a pé e de 1.348 ciclistas no
país", aponta. Em 2002, esse percentual de pedestre era maior: 42% do
total.
Em 2013, a estimativa é que o país tenha gastado R$ 16,9 bilhões com
os acidentes de trânsito. Ao todo, 191 mil vítimas de acidentes precisaram ser
internadas por mais de 24 horas após colisões ou atropelamentos.
O estudo aponta que existem "obstáculos" a serem
enfrentados: melhoria nas condições de trafegabilidade das vias, mais campanhas
educativas e de conscientização dos usuários, ampliação da fiscalização no
trânsito e melhoria na geração e coleta de dados relacionados à violência no
trânsito.
Pobres x ricos
O estudo revela que há uma significativa desproporção nos dados entre
as regiões. Os números apontam que regiões mais pobres do país tendem a ter
mais feridos e mortos por acidentes de moto.
Na região Nordeste, por exemplo, 49% das vítimas mortas em acidentes
de trânsito estavam em motos. No Norte, o índice é parecido: 45%. Já nas
regiões mais ricas, as taxas são menores: 28% no Sudeste e 30% no Sul. Já no
Centro-Oeste esse percentual é intermediário: 36% dos óbitos ocorrem com moto.
O empresário Cláudio Romeiro, 45, estava indo trabalhar no dia 10 de
dezembro, em Maceió, quando foi fechado por um carro e acabou caindo da moto.
Ele usava com todos os equipamentos de segurança, mas acabou tendo o pé e o
tornozelo esquerdos atropelados pelas rodas de um ônibus. Resultado: passou por
três cirurgias, 14 dias de internação e cinco meses de tratamento fisioterápico
e médico para se recuperar.
"Até hoje ainda faço fisioterapia para recuperar totalmente a
mobilidade do pé e tornozelo. Tive um problema chamado síndrome compartimental,
que é uma contusão interna que interrompe o fluxo sanguíneo. Tive de fazer
cirurgias na perna e no tornozelo", conta Romeiro.
Análise
O mestre em sociologia pela UnB (Universidade de Brasília) e consultor
em segurança e educação para o trânsito Eduardo Biavati afirma que o aumento no
número de feridos e mortos por motocicletas pode ser explicado por vários
fatores, a começar pela má formação de condutores.
"O primeiro fator é o processo de habilitação muito frágil. O
Brasil tem várias deficiências históricas, como o rigor dos exames", diz.
"Mas pior: boa parte dos motociclistas não têm habilitação, e é absurdo
que nossos órgãos de fiscalização não deram conta de impor a obrigatoriedade da
habilitação", complementa.
Biviati conta também que o próprio motociclista se põe em situação de
risco. "Nós não tínhamos, nem consolidamos, uma cultura de segurança com
uso do capacete. Embora nas capitais tenha melhorado, quando vamos à periferia
de grandes cidades onde a fiscalização não consegue chegar, ninguém usa
capacete. É do interior que vem o maior número de vítimas. E nesses locais não
se encontra fiscalização", diz.
Especialista em saúde pública, Eloy Yanes integrou o Comitê de
Educação para o Trânsito de Alagoas por uma década e percebeu que,
especialmente no interior do Norte e Nordeste, há deficiência na qualificação
dos pilotos. "Aqui se usa moto até para tanger bois. O problema é que
grande parte não tem CNH [Carteira Nacional de Habilitação], acha que é como
subir numa bicicleta, não conhece a forma correta de guiar, não segue leis de
trânsito, não usa de forma segura. Já vi relato no interior de uma pessoa que
comprou a moto e, quando ligou, caiu para trás. Ou seja, ele compra e vai
aprender a guiar depois", conta.
Um outro problema nas regiões mais pobres, diz Yanes, é a venda fácil
de motos de baixa cilindrada, os chamados ciclomotores. "Quando se fala em
moto, grande parte são as 'cinquentinhas' e acaba-se penalizando como se fossem
todas as motos. Mesmo nas cidades maiores, as autoridades não têm um efetivo de
fato que consiga coibir e fiscalizar. Eles fazem muita operação que pegam motos
de formas irregular, mas não é algo muito abrangente", afirma.
Outro fator considerado relevante pelo consultor Eduardo Biviati são
as falhas em vias urbanas e rodoviárias. "A qualidade do pavimento, a
engenharia das vias não foi pensada para motociclistas. O padrão predominante
de acidentes é em cruzamentos, e na Europa você tem vários elementos para
aumentar a percepção de que ali é área de conflito, de atenção. Aqui não tem.
Ou seja, não é só que o motociclista é irresponsável: o espaço viário não
protege ele, nem o ciclista, nem o pedestre", diz.
Dados do estudo
Desde 2012, quando a Lei Seca começou a ser aplicada no país com maior
rigor, o percentual de adultos que admitem beber e dirigir nas capitais do país teve queda de 16%.
O estudo foi patrocinado pela companhia Ambev e traz um cruzamento de
dados da Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP), da Confederação
Nacional do Transporte (CNT), do Datasus (Departamento de Informática do
Sistema Único de Saúde), do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), do
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
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