Movimento
abolicionista popular e a escravidão
O
leitor já deve ter lido e ouvido falar que a abolição da escravidão no Brasil
ocorreu pelas mãos da princesa Isabel, quando ela assinou a Lei Áurea, em 1888,
ou mesmo que o fim da escravidão foi decorrente da ação dos próprios
fazendeiros, donos dos escravos, que viam seus lucros diminuírem com a
escravidão, passando a optar por uma força de trabalho livre.
Uma
história que quase não foi contada foi a do movimento abolicionista popular,
que unia escravos em luta pela liberdade a setores populares da sociedade, como
escravos libertos e trabalhadores livres pobres.
Alguns
historiadores que estudam a escravidão no Brasil dizem que as rebeliões e fugas
escravas, em conjunto ao movimento abolicionista popular, tiveram um peso maior
no fim da escravidão que a assinatura da princesa Isabel ou o interesse dos
senhores na força de trabalho livre.
No
caso do Ceará, o abolicionismo popular levou ao fim da escravidão na província
em 1884, quatro anos antes da assinatura da Lei Áurea.
A
união entre jangadeiros e abolicionistas no porto de Fortaleza, em janeiro de
1880, impediu que escravos fossem embarcados em navios que os levariam para o
sul do país.
Os líderes dos jangadeiros eram Francisco José do Nascimento e
João Napoleão, ex-escravos que se recusaram a fazer o transporte dos escravos
do porto aos navios. Mesmo com a ameaça de repressão policial, os jangadeiros
recusaram-se a embarcar os escravos, sendo ainda apoiados por parte da
população que se aglomerava no porto e gritava: “No Ceará não se embarcam mais
escravos”.
Depois
desse evento o movimento abolicionista fortaleceu-se na província. Os
jangadeiros não aceitaram os subornos dos traficantes de escravos. Os soldados
do exército passaram a se recusar a capturar escravos fugidos.
Os
abolicionistas faziam campanha corpo a corpo, libertando os escravos sem
indenização a seus senhores. Com essas ações, a província do Ceará tornou-se
refúgio de muitos escravos que fugiam das fazendas e das cidades das províncias
vizinhas.
Na
Bahia, casos semelhantes foram retratados pelos historiadores. Em 1883, na
cidade de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, um grupo de saveiristas (saveiro é
um tipo de embarcação) e abolicionistas exaltados impediu o embarque de cinco escravos
vendidos a um senhor de engenho da região.
Várias
outras ações ocorreram na província, inclusive impedindo que o Barão de
Cotegipe embarcasse em 1883 uma criança escrava, que iria ser levada ao Rio de
Janeiro.
Tais
ações mostravam na prática que os senhores de escravos não tinham mais a mesma
liberdade que antes sobre suas propriedades humanas. Cada vez mais era difícil
sustentar a escravidão no Brasil, principalmente pela aproximação entre
abolicionistas populares e escravos, já que os abolicionistas eram muitas vezes
ex-escravos ou tinham parentes nessa situação.
Constituía-se
assim uma rede de solidariedade entre pessoas livres e escravas que destruíram
pela base as relações de escravidão. Essa solidariedade indicava um perigo
ainda maior, o de que o fim da escravidão fosse alcançado através de uma
revolução que poderia criar problemas ainda maiores à elite do país.
Frente a
isso, as autoridades reais decidiram abolir a escravidão, mas mantendo o poder
das elites. Depois tentaram deixar no esquecimento o abolicionismo popular e as
revoltas e fugas escravas, para dessa forma se apresentarem como os verdadeiros
responsáveis pelo fim da escravidão.
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