O homem que registra cada instante da vida
O professor
espanhol Morris Villarroel tem uma pequena câmera no peito que tira fotos a
cada 30 segundos e um relógio que monitora todos os seus movimentos.
Todos os dias, o
espanhol Morris Villarroel tira 1.200 fotos. A maioria bastante sem graça. Há
seis anos ele faz isso porque resolveu registrar a própria vida minuto a
minuto, com a ajuda de uma câmera, um caderno e um relógio Fitbit, que monitora
todos os movimentos.
Entre as fotos,
várias da direção do carro, de uma torrada, da prateleira onde ele guarda a
cebola na cozinha... E nenhuma delas vai ser apagada. Morris quer registrar as
coisas banais e as extraordinárias que acontecem na sua vida.
"Comecei
isso quando fiz 40 anos e me peguei pensando no que fizera da vida até então.
Para os próximos 40 anos, eu queria dar uma ideia melhor do que eu tinha
feito", explica o professor universitário de fisiologia animal e
aquicultura.
São 1.200 fotos
por dia, nem todas interessantes.
Desde 2010, ele
registra tudo num caderno, como um diário. "Escrevo quando acordo, o que
como, o que faço," diz.
No dia 14 de
abril de 2014, Morris Villarroel passou a usar uma pequena câmera presa no
peito e que dispara automaticamente a cada 30 segundos. Resultado: já acumula
mais de um milhão de fotos.
"Não vi
todas. É muita coisa," admite.
"A câmera
tira fotos do que está bem na minha frente". Sua mulher, Erin, "não
tem nada contra, mas bem que ela queria mais privacidade".
"Eu não uso
a câmera quando estou no quarto, se é que você me entende."
Da morte do pai
ao nascimento do filho, tudo catalogado
No ano passado,
Morris gastou 37 diários e registrou atividades, observações e ideias assim:
"Acordei às
5h45 num hotel na Suécia. Os músculos posteriores da minha perna doem um
pouco."
"Conversei
com colegas sobre observação de pássaros na hora do cafezinho."
Morris
Villarroel também faz anotações diárias. Para registrar tudo o que viveu, só no
ano passado gastou 37 cadernos
"Seria
legal saber por que algumas pessoas, quando estão fazendo jogging, sentem a
necessidade de tocar em algo, como numa parede, quando estão na metade do
percurso".
Morris
Villarroel atribui categorias e palavras-chave para tudo o que registra. Os
dados são organizados numa planilha e, quando combinados com as leituras do
relógio Fitbit e as fotos, revelam exatamente o que ele fazia em qualquer
momento do seu passado recente.
Por exemplo, às
12h22 de 7 de dezembro de 2014, o registro é de que ele não se mexeu durante 60
minutos. As fotos mostram parte de um corredor de hospital.
Naquele instante o pai acabara de morrer.
A pequena câmera
fotografa tudo o que aparece na frente de Morris. Aqui, no hospital, quando
soube da morte do seu pai
Ou às 16h36 do
dia 4 de novembro de 2014, hora em que seu filho Liam nasceu, num parto feito
em casa.
Sequência de
fotos do parto de Liam.
Ele guarda os
registros do parto do filho Liam desde o momento em que sua mulher sentiu as
contrações em casa
Um pai comum certamente
tem várias fotos posadas da mãe e do filho. Morris, no entanto, registrou tudo,
do começo das contrações até o momento em que a parteira deixou sua casa.
"Mas meus
equipamentos não conseguiram captar a intensidade daquela hora",
reconhece.
Ele acredita que
o filho vai achar interessante ver as fotos e registros. "Quando ele tiver
80 anos, vai poder saber como a mãe era quando estava grávida e o que ele fez
no quinto dia de vida..."
Diários de
Morris
As anotações
diárias são passadas para planilhas cujas informações também podem ser cruzadas
com as fotos
Os filhos
aprovam o projeto. A filha, June, de 15 anos, "gosta de ver os registros.
É divertido ver onde estivemos", diz.
'Processo ajuda
na reflexão'
Claro que
classificar essa enorme quantidade de dados é um desafio e tanto.
Morris
desenvolveu um ritual matinal que dura uma hora e inclui escrever em 750
palavras seus sentimentos, quanto tempo passou fazendo coisas diferentes e
baixar arquivos.
Morris ao
volante.
Morris confessa
que não consegue ver todas as fotos, como esta, da sua mão ao volante do carro.
Para catalogar tanto material, ele usa palavras-chave.
"Eu não
fazia muita coisa nesse horário, mas agora consegui produzir algo importante
para mim mesmo", analisa.
Ele também
revisa cada semana, mês e ano registrados: "É também um processo de
reflexão, que me ajuda a lembrar o que fazer, assim como a planejar e avaliar o
que está acontecendo."
Para muitos,
tudo isso pode parecer completamente sem sentido. Mas ele garante que existe
uma razão de ordem prática.
Um dia, Morris
perdeu o notebook por duas semanas. Até que examinou as fotos e descobriu onde
o tinha deixado.
Antes de voltar
a um lugar onde já esteve, ele analisa seus dados, vê como chegou lá, quanto
tempo levou, onde estacionou e o que fez. Numa dessas vezes, lembrou que havia
uma ótima padaria na esquina.
O registro
também funciona como defesa: se alguém o ameaçar, ele terá a sequência completa
de fotos para provar o que aconteceu. Mas até agora não teve que recorrer a
isso.
O processo o
ajuda a saber quanto exercício precisa fazer. O monitor Fitbit estabelece como
meta 10 mil passos por dia e por isso ele usa o transporte público para ir trabalhar,
em Madri. Morris também aprendeu que seu total diário de passos aumenta à
medida que o semestre universitário avança.
Gráfico com
passos.
Um gráfico
mostra quantos passos Morris deu no dia do nascimento, em casa, do filho Liam,
de 2 anos.
Mudança de hábitos
"Somos
criaturas que têm hábitos, mas nem todos eles são bons," observa.
"Posso mapear hábitos e melhorar alguns, assim como evitar os mais
negativos."
Às vezes, ele
tem a sensação de que não fez muito em um dia ou mesmo durante toda uma semana,
mas quando dá uma olhada nos registros, vê que realmente não foi assim.
O professor
Morris Villarroel diz que, com o sistema, passou a valorizar mais o tempo e
tudo o que vive
"Você olha
a sua vida e pergunta: 'O que estou aprendendo? Estou progredindo? Como estou
me sentindo?' e com base nas respostas, novas questões surgem, 'Quero mudar ou
ficar do jeito que estou?'"
Morris não pretende
encerrar o projeto, afinal fazer um registro tão preciso de cada dia mudou a
maneira como ele valoriza o tempo e os acontecimentos.
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