Preços nas alturas por toda a cidade fazem surgir o ‘Verão da farofa’
Um balanço dos preços abusivos de produtos triviais no rio, das explicações de quem os vende e de como o carioca dribla esta alta
RIO - O caju não é mais o amigo de outrora. O brasileiríssimo fruto com dez centímetros de pura suculência está custando R$ 5 — a unidade.
— É que o caju vem de avião lá do Piauí. Além do frete ser caro, trata-se de uma fruta delicada, correndo-se o risco de parte do lote ser perdida na viagem — justifica-se Osvaldo Rodrigues Meira, diante de uma freguesa de pé em frente à sua barraca, na Cobal do Leblon.
Mas não é só pelos R$ 5. Além de frutas tropicais, outros itens da “cesta básica” carioca — definida nesta reportagem como um conjunto de produtos triviais consumidos no dia a dia, que podem ser encontrados em diferentes lugares da cidade — andam custando pequenas fortunas. É o tipo de coisa que não dá nem para botar a culpa na alta do dólar: água de coco a R$ 7, sorvete de casquinha a R$ 11, frango de padaria a R$ 29, Havaianas a R$ 38,80, biquíni a R$ 460.
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No verão marcado pelos surreais misto quente de R$ 20 (em cartaz no cardápio de uma barraca nas areias de Ipanema), pirão de R$ 50 (à venda em Guaratiba) e omelete de R$ 99 (do menu de um restaurante na orla de Copacabana), a Revista O GLOBO saiu à caça de preços de itens de “primeira necessidade” e das justificativas de quem os vende. Sobrou para a Copa do Mundo que se aproxima, para a vista privilegiada, para o Choque de Ordem da prefeitura.
É que a partir deste fim de semana, comerciantes oportunistas vão precisar se explicar para os 80 fiscais da operação “Consumidor, essa praia é sua”, realizada pelo Procon Carioca em parceria com a Secretaria de Ordem Pública, que vão percorrer as areias do Flamengo ao Recreio justamente para frear a escalada de preços. É a primeira iniciativa da Frente Municipal de Combate às Práticas Abusivas, criada pelo prefeito Eduardo Paes na última quarta-feira.
— O barraqueiro que vende um misto quente a R$ 20 vai ser notificado e terá cinco dias para se justificar. Se a resposta não for convincente, poderá ser multado ou até perder a licença para trabalhar na praia. Os comerciantes precisam voltar para a realidade — avisa Solange Amaral, secretária de Defesa do Consumidor e coordenadora do Procon Carioca.
Enquanto o Procon não vem... Osvaldo, que vende cajus piauienses na Cobal do Leblon, planeja aumentar o preço da caixa com três unidades de R$ 15 para R$ 20 na temporada pré-carnaval. Na feira da Praça General Osório, em Ipanema, uma caixa igualzinha era vendida a R$ 10, terça-feira passada. Chorando, chegava-se a R$ 8. Nas prateleiras do Hortifruti, a mesma embalagem sai a R$ 12,99.
— A fonte está rareando, e o pessoal adora comprar caju para fazer caipirinha nesta época do ano. A minha freguesia não reclama do preço. É aquela história: quem tem dinheiro compra, quem não tem, conta história — desdenha Osvaldo.
Para o economista Luís Carlos Ewald, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o consumidor é o grande responsável pela alta de preços na cidade.
— Se o feirante botar a caixa de caju a R$ 15 e ninguém comprar, ele vai ter que baixar. Mas as pessoas são perdulárias — lamenta Ewald. — Qualquer coisa, por mais simples que seja, tem que ter um preço justo. Os donos dos estabelecimentos vão justificar os valores pelo IPTU? Pode ser, mas se não há venda não há dinheiro para pagar impostos. É uma cadeia. O problema é o abuso dos comerciantes somado ao corpo mole dos consumidores.
No calor da estação, o sorvete vale ouro. Na La Basque, no Leblon, uma bola, na casquinha ou no copinho, custa R$ 11. É o mesmo preço da porção de 90 gramas da novíssima gelateria Momo — que utiliza pistache do Bronte, leite de coco da Tailândia e tapioca de Belém no preparo dos gelados —, e mais caro do que na Mil Frutas (R$ 10) e na Sorvete Brasil (R$ 9).
Para o economista Gustavo Franco, professor da PUC-Rio, a cidade está vivendo uma típica inflação de verão:
— Preços de produtos sazonais, como coco, mate e chinelo de dedo, costumam aumentar no verão e diminuir no inverno. Mas, como a cidade está vivendo um verão espetacular, os preços subiram ainda mais. A água de coco deve estar um absurdo...
Um absurdo entre R$ 5, nas barracas da orla de Copacabana e da Barra, e R$ 7, em Ipanema.
— Há 20 anos, quando foi introduzida a URV (a Unidade Real de Valor), um dos primeiros produtos convertidos foi o coco. Custava R$ 1 porque arredondamos para cima — lembra o autor do livro “O Plano Real e outros ensaios”.
O barraqueiro Leandro Raggio, que trabalha num dos metros quadrados de areia mais disputados da orla, no Leblon (olha ele aí de novo...), explica por que cobra R$ 6 pelo coco:
— Após o início do Choque de Ordem, vários fornecedores debandaram. Tínhamos uns cinco de coco, mas, agora, só nos resta um. Resultado: ano passado pagávamos R$ 0,70 pela unidade que, atualmente, custa R$ 2,80.
Outro clássico carioca, o frango de padaria anda salgado além da conta. Na Rio Lisboa, no Leblon, uma peça de 1,2kg custa R$ 20. No Farinha Pura, no Humaitá, R$ 24,90, o quilo. Diretora executiva do estabelecimento, Lícia Vidigal enumera os “diferenciais” do Farinha Pura:
— Os frangos são assados em modernos fornos que utilizam uma injeção de vapor que os torna mais macios, nutritivos e saborosos. Antes desse processo, eles são marinados no vinho branco seco pelo período de quatro horas.
Itens essenciais no enxoval praiano de toda mulher, o biquíni e o chinelo estão com preços que estimulam o naturismo. Enquanto na areia as roupas de banho são vendidas por ambulantes por R$ 50, em média, nas lojas de grife um duas peças pode custar até nove vezes mais. Na Vix, por exemplo, começam em R$ 320 e vão até R$ 398. Na Lenny, o mais caro sai a R$ 460.
— O modelo tem calça hotpant, que além de ser todo duplo leva uma faixa enorme. Nossos biquínis estão com preços compatíveis ao mercado. O de lacinho, por exemplo, não sofre alteração há três anos — explica a estilista Lenny Niemeyer.
No mercado AAA, paga-se ainda pelo design e pela marca. Mas e a sandália de borracha? Não dá nem para botar na conta do luxo. Nas prateleiras do Mundial, um par de Havaianas com estampa de bolinhas está custando R$ 38,80, conforme denunciou um usuário do Facebook na página colaborativa Rio $urreal. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do supermercado alegou que o responsável pela compra do produto está de férias e que ninguém mais poderia explicar o fato. Nas lojas das Havaianas, o mesmo modelo sai por R$ 29,90.
Por outro lado, o supermercado ainda é o melhor lugar para abastecer o isopor a caminho do mar. A mesma garrafa de Stella Artois, de 275ml, que é vendida a R$ 2,49 nas gôndolas do Mundial, custa R$ 13 no Azul Marinho, bar e restaurante com mesas no calçadão do Arpoador.
— Paga-se pela localização: o cliente do Azul Marinho toma a cerveja geladinha com o barulho das ondas — justifica Marcos Farias, gerente da casa. — Não há dinheiro que pague essa vista.
Levando-se em conta que a vista é gratuita... A comerciária Jeane Ursulino, de 56 anos, não pagou ingresso para assistir ao espetáculo do pôr do sol acomodada sobre sua canga nas areias do Arpoador, em frente ao Azul Marinho, sexta-feira retrasada. Estimulada pelas correntes de boicote aos preços abusivos compartilhadas em sua timeline no Facebook, Jeane convocou três amigas, comprou duas dúzias de cerveja, um pacote de amendoim e um punhado de gelo.
— Gastamos R$ 17 por pessoa para tomar umas cinco cervejas, cada. Já tinha ido ao Arpoador em vários outros fins de tarde, mas foi a primeira vez que fiz a farofa completa! — diverte-se.
A poucos metros dali, outros grupos brindavam ao pôr do sol com bebidas acomodadas em baldes, bolsas térmicas, isopores. A mudança de hábito é geral: o carioca está usando o seu famoso jeitinho para driblar os preços e fazer deste o Verão da Farofa.
Em muitos casos, a farofa é chique. A designer Analu Reis, de 32 anos, e a empresária Thays Castro, de 45 anos, costumam levar garrafas de vinho branco e nuts para piqueniques na areia. Carregam tudo em bolsas térmicas. Para completar, têm sempre uma caixa de som para acoplar no iPhone.
— É economia com glamour — diverte-se Analu, que prefere comprar uma garrafa de vinho de R$ 18 no Zona Sul a desembolsar R$ 20 por quatro latinhas de cerveja. — O vinho vale muito mais, e cerveja ainda dá barriga.
A chef Karen Couto entrou na onda do isoporzinho em busca de uma praia mais saudável. Para dar uma estilizada na “farofa detox”, ela vestiu o isopor velho de guerra com plástico verde. No cardápio, tirinhas de cenoura e pepino com molho de iogurte sem lactose e tomatinhos cereja com torradas sem glúten. Para beber, chá termogênico à base de ervas. O farnel custou R$ 15.
— É uma questão de qualidade de vida. Na Europa, as pessoas fazem piquenique em praias, parques, praças — compara Karen.
Em terras cariocas, aos poucos, a moda está dando o ar de sua graça também fora da praia: o entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas e a Praça São Salvador, em Laranjeiras, já abrigam adeptos do gastar menos é mais.
O responsável pela glamurização do isopor é o VJ Guigga Tomaz, de 28 anos. Indignado pela alta do preço da cerveja em seu bar de estimação, ele fez um desabafo no Facebook que virou o evento Beber no Isoporzinho. Desde então, já ocorreram mais de cinco edições em distintas praças cariocas, além de ter inspirado versões em Belo Horizonte, Salvador e Manaus.
— É o resgate, por necessidade, de um símbolo da minha infância — diz.
Duas semanas atrás, o Beber no Isoporzinho ocupou o Largo dos Leões, no Humaitá. Foram mais de 80 pessoas. Entre elas, chamava a atenção o grupo de adultos acompanhado pelo menino Mateus Lima, de 8 anos, que levou uma bolsa térmica com picolés e uma garrafa de H2O.
— Temos que protestar, se não a latinha de cerveja vai custar R$ 17 na Copa — disse o garoto, com apoio da mãe.
Ali do lado, a rodinha do advogado Rafael Zavos, de 37 anos, compartilhava coxinhas com os vizinhos de isopor.
— Estamos lançando a bandejinha — anunciou Rafael, gaiato. — Como estamos na Zona Sul, chamam o que estamos fazendo de movimento de vanguarda. Mas, na verdade, somos todos farofeiros, com muito orgulho.
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