Réquiem do liberalismo?
Emir Sader
O candidato neoliberal à presidência assinou documento comprometendo-se a não privatizar mais empresas, deixando furioso o ex-presidente da república, do seu partido, que considerava as privatizações uma obra prima do liberalismo brasileiro.
O PFL muda de nome, abandonando a referência ao liberalismo, para tentar passar por “democrático”. Quando havia adotado o nome de PFL, o partido proveniente da ditadura militar tentava esconder esse seu passado e nada melhor do que a roupa liberal. Com isso se distanciava do regime em crise e aderia ao novo governo. Não lhe custava nada. Afinal, o próprio golpe militar fora dado em nome do liberalismo, contra um suposto risco “totalitário” da esquerda.
Seguia a tradição da “guerra fria”, que reduzia tudo à oposição entre “totalitarismo” e “liberdade”. Em seu nome, da velha UDN golpista, se pregou e se apoiou a ditadura, a mais brutal ruptura com a liberdade na história do Brasil. Essa farsa liberal vinha de longe. O liberalismo nasceu entre nós no século XIX, convivendo com a escravidão – e traindo assim seu preceito fundamental da igualdade diante da lei – e tampouco foram os condutores da luta contra ela.
Posteriormente, o liberalismo foi a ideologia do regime oligárquico exportador da chamada “república velha”, uma ditadura social das elites econômicas. Foi também em nome do liberalismo que a direita se opôs ao regime getulista e a todos os governos até o golpe militar de 1964, sempre acenando com o apelo aos militares para soluções golpistas.
Foi sempre um liberalismo contra a democracia, contra o movimento popular, contra a luta pela igualdade econômica e social. Foi sempre um instrumento da perpetuação do poder das minorias.
Todos somos anti-neoliberais? Não. O consenso anti-estatal e que faz desaparecer o imperialismo, ainda é forte. Não nos enganemos. Adaptando a análise de Perry Anderson sobre a França para o Brasil, quando finalmente a esquerda chegou ao governo, tinha perdido a batalha das idéias. E tinha perdido para o liberalismo –político e econômico. De tal forma, que o liberalismo não apenas domina o entorno, quando a esquerda ganha, mas penetrou dentro da própria esquerda.
A desqualificação do Estado não por seus defeitos – seu caráter burocrático-repressivo a serviço da manutenção das estruturas de poder existentes -, mas por suas virtudes, reais ou pontenciais – universalização de direitos, regulação da circulação de capitais, garantia da soberania nacional – é uma tese liberal que ainda goza de muita força. Isenção de impostos para o capital, precarização ainda maior no mercado de trabalho, proliferação do ensino privado, da segurança privada, da saúde privada, etc., etc. Ao mesmo tempo que não se valoriza como uma empresa como a Petrobrás é a mais importante empresa brasileira de todos os tempos e uma das mais importantes do mundo – uma empresa estatal brasileira.
O Brasil luta, na sua política externa, não pelo justo protecionismo dos mercados nacional, sul-americano e do Sul do mundo, mas pela liberalização dos mercados para a exportação dos nossos produtos primários. O Banco Central atua praticamente como um banco independente.
Aceita-se o modelo de democracia liberal como o modelo identificado plenamente com a democracia. As concessões de emissoras privadas são tratadas como intocáveis, embora sendo concessão pública, renovável ou não, conforme determinados critérios públicos, ainda mais que se trata de um número limitado de canais de rádio e televisão.
O liberalismo econômico se acoplou ao liberalismo político, tornando-se ambos a ideologia da direita latino-americana, disfarçando-se de defensores da “sociedade civil”, do pluralismo, da liberdade de expressão – embora o façam por intermédio do mais brutal oligopólio midiático, etc. O direito de ir e vir é garantido para os capitais – com privilégio para os especulativos, que nem pagam impostos na Bolsa de Valores de São Paulo -, mas não para os indivíduos. Há forte oposição à regulamentação da circulação de capitais, mas se constrói um muro na fronteira com os EUA, no qual morrem por ano mais mexicanos do que todos os que morreram durante todo o tempo de existência do Muro de Berlim.
Essa é a farsa do liberalismo, mas também sua força, que ainda sobrevive, apesar da incomodidade dos que o defendem, de confessar que seguem sendo liberais. O debate ideológico com o liberalismo continua sendo o tema central da democracia brasileira, para que construamos a ideologia fundada na esfera e nos interesses públicos e não na esfera mercantil – substrato do liberalismo.
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