O Twitter despenca;
e despenca porque merece
No ambiente árido do jornalismo sem pautas, o Twitter viveu
seu período de demiurgo eletrônico no Brasil.
Para parte expressiva da mídia hegemônica, o microblog
atestava a veracidade de fatos, reproduzia a opinião popular e definia se
fulano era ou não uma celebridade.
Enfim, começam a escassear os textos jornalísticos abertos
com a referência aos trending topics, espécie de ranking de expressões
evocado para validar qualquer tendência de opinião.
Interessados em redimensionar os fatos, esquerdas colegiais e
direitas profissionais empenham-se, ainda hoje, em reproduzir hashtags,
replicando verdades, boatos ou qualquer asneira conveniente.
A esperança é ver o mote celebrizado em reportagens do UOL,
do G1 ou do Estadão, entre outros portais jornalísticos.
Foi realizando esse job, por exemplo, que profissionais
experientes garantiram lugar nos quartéis de trollagem e guerrilha virtual do
eterno candidato do conservadorismo bandeirante.
Não à toa, José Saramago convenceu-se de que tuitar não tinha
notória relação com a síntese de ideias, mas com a erosão da linguagem e do
próprio pensamento.
“Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a
tendência para o monossílabo como forma de comunicação”, sentenciou. “De degrau
em degrau, vamos descendo até o grunhido.”
“Revolução manipulada”
E houve, sim, quem grunhisse horrorosamente nas páginas
nervosas do passarinho azul.
Foi o caso da estudante de Direito que surtou depois da
vitória de Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2010.
Utilizando a rede social da instantaneidade, mal digitou:
“Nordestisto (sic) não é gente. Faça um favor a Sp: mate um nordestino
afogado!”.
Naquele momento, o Twitter funcionava como efetivo
instrumento de multiplicação e replicação da propaganda política, sobretudo da
oposicionista. Assim, outros 1037 internautas incautos embarcaram na “vibe” e
postaram textos preconceituosos semelhantes.
Desde que o sistema de mensagens foi criado, em 2006,
diversos grupos e movimentos trocaram o sentido pelo volume, pelo número e pelo
alarido.
A rigor, a rede da concisão não foi desenhada para educar,
esclarecer ou estimular a reflexão. A proposta é gerar alertas numa cultura de
informação cada vez mais fragmentada e sem autoria conhecida.
Em várias ocasiões, mundo afora, o Twitter potencializou
levantes justos, especialmente de jovens, como no caso dos estudantes chilenos
que pugnam em defesa da educação pública e gratuita.
Nesse caso, o Twitter funcionou eficazmente como uma
ferramenta tática de aglutinação. As reivindicações do movimento, como se sabe,
têm sido debatidas profundamente em outros canais virtuais e, principalmente,
nas reuniões realizadas nas escolas, com microfone ou megafone, no velho estilo
do movimento estudantil.
Quando alçado à posição de doutrinador expresso, o Twitter
mostra-se um canal impróprio e potencialmente nocivo. Na chamada “Primavera
Árabe”, o microblog arregimentou, mas também confundiu e contribuiu para gerar
violência.
A chamada “Revolução do Twitter”, ocorrida em 2009, na
Moldávia, produziu um legado de dúvidas e de ressentimentos entre muitos dos
participantes, que hoje julgam ter sido manipulados pelas forças políticas em
conflito no país.
Naquele ano, a articulista Anne Applebaum, do Washington
Post, escreveu sobre a presença de membros do serviço de segurança entre os
manifestantes mais violentos.
Applebaum referiu-se a “um novo tipo de revolução manipulada”
e afirmou que tinha sido relativamente fácil enraivecer as pessoas e levá-las a
queimar prédios do governo.
Desde o ano anterior, o país era citado pela imprensa
internacional como um dos mais infelizes do mundo, após a divulgação de uma
pesquisa da Universidade de Michigan.
Queda nos acessos
Servindo como ferramenta para estimular revoluções com causas
duvidosas, o Twitter apenas ocupou o lugar de outros canais digitais, utilizados
desde meados da década de 1990.
Muitos dos líderes dos movimentos “revolucionários” desse
período, como o Otpor! (Sérvia), Kmara (Geórgia) e Pora (Ucrânia), foram
treinados e financiados por agências governamentais e entidades identificadas
com os ideais liberais e conservadores.
O jornal britânico The Guardian, por exemplo, apontou
como incentivadores dessas ações o Departamento de Estado norte-americano, o
Instituto Republicano Internacional (fundado por inspiração do ex-presidente
dos EUA Ronald Reagan) e o Open Society Institute, do empresário George Soros.
Em um artigo da New York Times Magazine, de novembro de
2000, o jornalista Roger Cohen inquiriu diretores de várias dessas organizações
sobre o suposto apoio ao Otpor.
Paul B. McCarthy, do National Endowment for Democracy,
confirmou ter ministrado palestras de formação para os jovens e admitiu que boa
parte dos US$ 3 milhões gastos pela entidade na Sérvia, entre 1998 e 2000,
tinham sido destinados ao grupo insurgente.
Pode-se perfeitamente considerar como delírio a teoria de que
o Twitter foi criado por uma conspiração da direita internacional para derrubar
governos contrários aos interesses norte-americanos.
No entanto, é certo que os experts em sabotagem política se
utilizam de todas as ferramentas disponíveis, até aquelas de natureza puramente
comercial, com o objetivo de fortalecer suas organizações.
Nunca um meio definiu tanto a qualidade de uma mensagem, numa
escala que espantaria o teórico da comunicação Marshall McLuhan.
No Brasil, agentes midiáticos do neoconservadorismo, como o
piadista Rafinha Bastos, com milhões de seguidores no microblog, exibem a forte
penetração desse canal entre os jovens.
De repente, porém, o oráculo passarinho parece que já não
alça voos tão altos no país. Segundo a consultoria comScore, especializada no
mundo digital, entre julho de 2011 e julho de 2012, a queda no número de
acessos únicos no Twitter foi de 24%. Expressiva!
No total, 25% dos usuários não acessaram o microblog uma
única vez nesse período.
Conector de massas
Há limitações técnicas que podem explicar esse crescente
desinteresse do brasileiro pelo sistema. Se ainda nos agrada a conversa, a
dinâmica interativa das turmas e a imagem do outro, o Twitter se nos afigura
pobre.
Simultaneamente, há quem já perceba o quanto o microblog é
avesso ao aprofundamento de debates e o quanto serve à manipulação de vastos
contingentes de pessoas, seja na condição de cidadãos ou de consumidores.
Em parte considerável dos usuários, o Twitter gera
comportamentos de reação, muitos deles automatizados. Utilizado como função
fática ou como equipamento de aceleração da realidade, configura-se como um
sistema redutor do pensamento.
Nesse programa mental condicionado, etapas do processo de
cognição são queimadas. Os signos adquirem vida própria, trafegando através das
pessoas, escamoteadas do processo de filtragem de conteúdos e elaboração de
significados.
Quando assim configurado, o microblog é daqueles engenhos de
comunicação que Paul Virilio possivelmente encontraria no coração da “bomba
informática”, que engana, confunde e deseduca.
Talvez os brasileiros estejam percebendo, antes dos
norte-americanos, as armadilhas desse conector de massas agregado à revolução
tecnológica. Talvez estejam, simplesmente, empreendendo um ajuizado plano de
fuga.
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