Por que o mau humor é o novo humor?
Sentir-se
redimido pelo descontrole alheio é uma das forças por trás do mau humor cômico,
que ganha novo fôlego na internet, no teatro e até na novela
O atendente vai se irritando
com o cliente, começa soltando uma grosseria ou outra durante o pedido e
termina com uma apoteótica explosão de mau humor. Do outro lado da tela, em vez
de se chocar, quem está assistindo ri. E ainda recomenda a história para os
amigos. Foi assim que o vídeo “Súbito”, protagonizado pelo ator Fabio Porchat,
ganhou a rede (veja trecho mais abaixo na página) .
Em vez de ameaças de processo, a rede de fast food parodiada no esquete
convidou o ator para fazer uma nova versão do vídeo, que termina pedindo aos
mal atendidos na vida real para entrar em contato com o serviço de atendimento
ao consumidor da marca.
O mau humor vive uma boa fase. Na internet, se
multiplicaram os perfis com tiradas cômicas a partir de comentários ácidos. A Gina Indelicadafoi a mais recente. Apesar de
acusações posteriores de plágio, a página criada pelo estudante de Publicidade
Rickk Lopes chegou a um milhão e meio de seguidores em apenas duas semanas,
respondendo perguntas de internautas de maneira pouco amigável.
A maioria dos perfis que exploram o mau humor têm
no nome a expressão “... da depressão” (veja na galeria de fotos abaixo) . Em rápida busca no Facebook, é
possível achar variações para todos os gostos: do genérico “Cão da Depressão”,
que comenta situações da vida diária com o viés mais pessimista possível, ao especializadíssimo
“Oceanografia da Depressão”, com piadas feitas por e para oceanógrafos.
Nem os nomes mais incensados da literatura nacional
escapam. “Uma personagem imponente, que diz o que pensa de forma nua e crua e
bem sarcástica, típica de uma mulher de TPM.” Assim se define “tia Clarice”*,
responsável pelo perfil de Facebook Clarice de TPM ,
com mais de 68 mil fãs, em que satiriza as frases e pensamentos erroneamente
atribuídos à escritora.
É o mesmo tom do Coruja Depressão ,
com mais de 262 mil seguidores. “O mau humor da Coruja nada mais é do que o meu
mau humor, o seu, e o da grande maioria que acompanha a página. As pessoas se
identificam e por isso gostam”, diz o analista de sistemas Emerson Nunes, 22
anos, autor do perfil.
Para o humorista Marcelo
Mansfield, o mau humor é uma forma de redenção. Um dos seus grandes sucessos é
o personagem Seu Lili (veja trecho no vídeo abaixo) ,
eternamente irritado. “Mau humor é a vingança da nação. É ver no palco alguém
falando o que você queria dizer”, afirma.
Além da internet
Embora viva uma nova onda de
sucesso, o humor de mau humor tem sua tradição. Marcelo relembra que o mal
humorado é um personagem cômico clássico e sempre causa empatia. “Lembra do
‘Gordo e o Magro’? O Gordo estava sempre irritado”, comenta. Na tevê, ele lembra
de personagens marcantes como Caco Antibes, de “Sai de Baixo”, que estava
sempre explodindo e reclamando.
“Mau humor é a vingança da nação. É ver
no palco alguém falando o que você queria dizer”, diz o humorista Marcelo
Manfield, criador do Seu Lili.
E quanto da alta audiência de
“Avenida Brasil” não se deve à vilã Carminha, uma duas-caras que parece
boazinha mas é capaz de bombardear empregadas e desafetos com comentários
hilários, mas nada simpáticos? “As pessoas adoram odiar a Carminha. São os personagens
que sempre acabam fazendo sucesso. O que é a Dercy Gonçalves mandando todo
mundo tomar naquele lugar senão isso?”.
A atriz Grace Gianoukas, que
comanda o espetáculo de humor “Terça Insana”, faz sucesso com a autoexplicativa
personagem Mulher Limão (veja em vídeo com outros
personagens abaixo) . Sobrecarregada de tarefas, a Mulher Limão
termina por explodir – e é adorada pelas mulheres, segundo sua criadora. “Na
vida real, não é aceitável você fazer isso. Mas ao explodir no palco vem todo
mundo abaixo de rir.”
Ela também acredita que rir do mau
humor é uma forma de lidar com os revezes da vida. “A personagem mal humorada é
uma catarse. Todo mundo se sente vingado de uma certa maneira”, afirma.
Cultura popular
Na cultura popular, o perfil resmungão tem também
um personagem forte. Seu Lunga é inspirado em um morador de Juazeiro do Norte,
Joaquim dos Santos Rodrigues, 84 anos. A fama de zangado é tanta que ele virou
tema de cordel e chega a receber visitantes que pedem para tirar foto com ele
(diz a lenda que odeia quando isso acontece). Insatisfeito, processou o
cordelista Abraão Bezerra Batista, que escreveu dois títulos a respeito dele.
Com a internet, a figura folclórica cresceu ainda
mais. As comunidades do Orkut dedicadas às “pérolas” do Seu Lunga foram tema
até de um artigo acadêmico que analisou como as anedotas sobre o mau humor do
Seu Lunga cresceram além da figura real de Joaquim dos Santos Rodrigues. “A
graça dos cordéis que falam de Seu Lunga está no exagero dado a suas
características”, diz o artigo de Maria Gislene Carvalho Fonseca.
No Facebook, o estudante Junior
Torres criou apágina de Seu Lunga por brincadeira e em três dias chegou
a 100 mil seguidores – hoje são mais de 600 mil. “O mau humor dele já faz
sucesso há anos. Tenho mais de 20 mil perguntas de internautas que interagem
com o perfil”, explica.
A comédia de mau humor transcende
a rede. O perfil de Twitter @bomdiaporque , em cuja descrição se lê um resumido
“mau humor 24 horas”, fez tanto sucesso que virou livro. “Um tuíte chegava a
ter mil retuítes. Quem replica esse tipo de post extravasa sem precisar se
assumir diretamente como mal humorado”, afirma o publicitário Daniell Rezende,
um dos três autores do perfil.
O livro “Bom Dia Por Quê?: Você era infeliz e não
sabia” compila as melhores tiradas do perfil. O tema rende tanto gerou um
piloto de programa de tevê. Apesar de tudo, Daniell se considera bem humorado.
Mas admite que o oposto é mais fácil. “Ser mal humorado não requer nenhum
esforço. Para canalizar, acabamos transformando isso no Twitter.” http://delas.ig.com.br/comportamento/2012-09-17/por-que-o-mau-humor-e-o-novo-humor.html
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