O Linguarejar
de Algumas Criaturas
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«A medida é coisa ótima.»
Cleobulo
Pensava eu que a Política, além de ser, segundo os Antigos
gregos, a arte de bem governar a polis, também seria, mas pelos
vistos não é, debate de ideias, troca de opiniões, respeito pelo outro,
procura do caminho que melhor sirva a pessoa humana, para a condução de uma
boa prática das ideias e dos princípios.
Pensava eu que a política, ciência humana, era uma
aprendizagem permanente dos conteúdos da democracia. Pensava eu que assim
era, mas pelos vistos não é! E pensava eu que a democracia também significava
alternância das ideias, dos princípios e, por conseguinte, do poder. Mas
alguns querem que não seja!
A democracia não seria aquilo que é, mas o que meia dúzia
quereria que fosse: centralismo (o chamado centralismo democrático), paragem
no tempo, o fim da história. Não é isto que queriam, mas não conseguiram, os
chamados marxistas-leninistas? Para estes, que têm uma visão reducionista da
vida, da política e da democracia, só é valido aquilo que eles próprios
entendem e determinam para ser válido. Por mais interessantes, úteis e
evidentes que sejam as ideias dos outros, porque não foram eles que as
produziram, logo não prestam.
Mais ou menos à moda de um silogismo aristotélico, é assim que
raciocinam: «estas ideias ou prestam ou não prestam», «se são nossas prestam,
se não são nossas não prestam», LOGO, «como estas ideias não são nossas,
então não prestam».
E emergem, assim, como uma vanguarda iluminado, sabedora de
tudo, investida por um ser transcendente para que indiquem o caminho ao comum
dos mortais. Eles, a tal minoria iluminada, vieram ao mundo com um mandato
divino, qual ópio do povo, para endireitar os desalinhados...
Vem tudo isto a propósito da arrogância desmedida e falta de
urbanidade de alguns intervenientes políticos, muito doutos, da nossa praça,
quando se dirigem a alguém que não perfilha ou adopta as suas ideias. Ainda
não perceberam, talvez não sejam capazes, que cada indivíduo é dono dos seus
pensamento, tem uma personalidade que é diferente da de todas as outras, tem
uma maneira ser e de estar que é própria. Quando é que entendem isto?
É comum que tais iluminados, que tudo sabem, para marcarem a
sua diferença, e porque assim se sentem felizes, quando se dirigem aos
outros, geralmente usam expressões encantadores, que afinal só os revela,
tais como: «desconhece o que está a dizer...», «informe-se melhor...», «não é
de cá...», «não estava cá...», «não sabe fazer contas...», «não sabe o que
está a dizer...», «tenha cuidado...», «vá para a sua terra...», «veja bem o
que diz...», «vê mal... mude de lentes...». Enfim, dá gosto ouvir o seu
elevado e fino vocabulário, de recorte tão brilhante.
Dá gosto ouvir este vocabulário entre pessoas civilizadas,
ditas muito instruídas, muito cultas, muito qualquer coisa..., sem se
coibirem de ofender seja quem for! O que importa é que atinjam os seus
objectivos: fazer chacota para que os presentes oiçam que eles sabem dizer
coisas com tão elevada erudição! Esquecendo-se que, com isso, também estão a
ferir as instituições democráticas, que tanto, tanto... dizem defender.
Mas, além do vocabulário vociferado, ainda gritam, barafustam,
gesticulam, esperneiam, ameaçam!. E não admitem, porque só eles tem direito à
existência, que o outro tenha uma cosmovisão diferente da sua. Ainda não
perceberam, e é uma pena que tenham dificuldade em perceber, que o mundo é
multicolor. E, então, por falta de argumentos (o argumento é racional, não
dogmático), gritando bem alto, e com gestos largos, ficam felizes porque
acham que a gritaria lhes dá razão. Percebam que não é por se gritar, ameaçar
ou espernear que se tem razão. Tem razão aquele que simplesmente tem razão. O
resto é exibicionismo ou ignorância ou falta de argumentos. (António Pinela,
Reflexões, Junho de 2002).
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http://www.eurosophia.com/filosofia/acesso_livre/filosofia_politica/linguarejar_de_algumas_criaturas.htm
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