Livro e filme lembram o centenário de Tarzan, o rei da selva
Edição comentada e ilustrada do clássico de Edgar
Rice Burroughs chega às livrarias
A popularidade de Tarzan, o homem-macaco, continua
a mesma um século após a publicação do primeiro livro sobre o personagem,
criado pelo norte-americano Edgar Rice Burroughs (1875-1950). Tanto que, para
comemorar a data, a editora Zahar está lançando uma edição comentada e
ilustrada do mesmo livro, que traz os desenhos originais do canadense Harold
Foster (1892- 1982), ou Hal Foster, criador dos clássicos quadrinhos de O
Príncipe Valente.
O cinema, também apostando na atualidade de Tarzan,
um homem que prefere a companhia dos macacos à selva das cidades, prepara uma
nova versão – desta vez com Alexander Skarsgard no papel-título. Dirigida por
David Yates, ela certamente vai explorar mais o corpo que a alma do galã sueco,
como se faz na tela desde a versão de Tarzan com Johnny Weissmuller, visto na
foto maior desta página.
Traduzido por grandes autores no Brasil, entre eles
Manuel Bandeira e Monteiro Lobato, os livros de Tarzan começam a ser
redescobertos pelas novas gerações. Thiago Lins, também autor da ótima
apresentação e das notas que acompanham a edição, é o novo tradutor do livro
inaugural de uma série de 24 volumes produzidos por Burroughs. O primeiro
nasceu dois anos depois que Tarzan fez sua primeira aparição, em 1912, na
revista All-Story, que reunia autores de um gênero popularmente conhecido como
pulp fiction – ficção barata, produzida para consumo de massa.
Embora visto com desconfiança por sociólogos,
antropólogos e etnólogos, que identificam no homem-macaco de Burroughs traços
de racismo, Tarzan conquistou leitores como Gore Vidal, sensível ao vigor
físico do personagem, mas não Rudyard Kipling, o criador de Mowgli, incomodado
com a cópia de seu garoto selvagem.
Criado nas florestas da Índia Central, Mowgly
apareceu na cena literária em 1893. Perdido pelos pais após o ataque de um
tigre, ele é criado por lobos, como os irmãos gêmeos Rômulo e Remo da mitologia
romana. Tarzan, após a morte dos pais, é adotado por uma antropoide, Kala. A
história se repete com poucas variações. Burroughs, porém, pisa mais forte no
determinismo darwinista.
Tarzan cresce sem saber nada de sua condição
humana, achando que é também um macaco. As ilustrações de Hal Foster reforçam a
sua construção como um símio esperto e autodidata, sem respeito por outros
animais – ele mata por prazer.
Além disso, Tarzan é incapaz de identificar
alguns seres humanos como semelhantes – e a facada que ele desfere no coração
do nativo africano Kulonga, vingando a morte da mãe adotiva, a macaca Kala, é
uma prova disso. É justamente nessa sequência que os estudiosos enxergam o
“racismo” de Tarzan, incapaz de ver Kulonga como homem, por ser negro, o que
não acontece quando ele se encontra com Jane, sua futura mulher, e o pai dela,
ambos caucasianos como ele – além de tudo descendente de lorde inglês
colonialista.
No caso de Kulonga, Tarzan por pouco não pratica um
ato de canibalismo – ele, faminto, ensaia comer o nativo morto, mas seu
instinto hereditário, ancestral, o faz desistir da ideia. Burroughs, no
capítulo seguinte, explica que Tarzan “não sabia nada da irmandade dos homens”.
Todas as coisas além de sua tribo eram “inimigos mortais”.
Caçar e matar eram
seus prazeres maiores. Assim, “sendo homem, matava por diversão, algo que
nenhum outro animal faz”. Burroughs evoca o confronto entre tradição oral e
escrita, ao fazer de Tarzan um autodidata que aprende a ler e escrever sozinho,
ao encontrar os livros deixados pelos pais mortos.
Em inglês, o som das palavras white (branco), write
(escrever) e right (direito) é quase o mesmo. Mais de um analista já
identificou uma incômoda conexão entre o mundo descrito nos livros de lorde
Greystoke, pai de Tarzan, e a civilização branca. Burroughs insiste na
importância da hereditariedade. Aceita o darwinismo. Para Tarzan, “white” é
“right” e “black” não é “beautiful”, como diz o refrão. É um incivilizado. Só
aceita ser domesticado porque sente que Jane não o aceita como besta selvagem.
Alan Moore, criador de Watchmen, aprendeu a lição. Inverteu
a lógica de Burroughs ao criar o personagem Tom Strong, que cresce numa câmara
hiperbárica e é educado por cientistas, após um naufrágio que atinge seus pais.
Strong se fortalece graças a uma raiz medicinal dos nativos. Como se vê, Tarzan
não morreu. Apenas mudou de nome.
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