A Máquina do Mundo - Carlos
Drummond de Andrade
E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas,
pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus
sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e formas
pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de
meu próprio ser desenganado,  a máquina
do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter
pensado se carpia.  Abriu-se majestosa e
circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o
tolerável  pelas pupilas gastas na
inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar  toda uma realidade que transcende a própria
imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos.  Abriu-se em calma pura, e convidando quantos
sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera  e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para
sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos,  convidando-os a todos, em coorte, a se
aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário