Cântico negro - José
Régio
"Vem por
aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e
seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por
aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e
cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta:
Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo
sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou
por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós
responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por
aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus
próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis
impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos? ... Corre,
nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o
Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
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