A
desmoralização e a sangria da Petrobrás
ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo
Produzir petróleo, vejam só, é prioridade da
Petrobrás, segundo garantiu a presidente da companhia, Graça Foster. Essa
declaração, em linguagem típica de negócios, deve ter soado como heresia em
relação aos padrões da gestão petista, famosa internacionalmente por seus
projetos de baixa qualidade, pela falta de foco empresarial e por um prejuízo
superior a US$ 1 bilhão num único investimento. Seu valor de mercado, o 12.º
maior do mundo há cinco anos, caiu para a 120.ª posição, segundo lista
divulgada na internet pelo jornal Financial Times.
Qualquer sinal de seriedade,
nesta altura, pode favorecer pelo menos uma recuperação de imagem. Sem renegar
abertamente a preferência aos fornecedores nacionais, a presidente de certa
forma redefiniu as regras do jogo. Prometeu continuar comprando da indústria
local, mas com duas ressalvas. As encomendas serão de acordo com a capacidade
da indústria e os preços terão de ser competitivos "em relação a outras
oportunidades fora do Brasil".
Se continuar no posto e insistir nessa
orientação, talvez consiga reconverter a Petrobrás numa empresa - uma
organização de negócios com foco razoavelmente definido, metas de rentabilidade
e padrões profissionais de administração.
A mudança, nesse caso, envolverá a adoção de
alguns critérios vitais tanto para a Boeing quanto para a mais modesta padaria
do bairro. Esses critérios foram pisoteados durante os últimos dez anos. Nesse
período, a maior empresa brasileira foi subordinada a objetivos políticos e
pessoais do grupo instalado no Palácio do Planalto e às conveniências de seus
companheiros e aliados.
Antes disso, a Petrobrás pode ter sido mal orientada em
algumas fases, mas quase sempre funcionou com critérios empresariais, empenhada
em procurar e extrair petróleo e gás, produzir e distribuir combustíveis e
contribuir para a segurança energética do Brasil.
Com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
sua sucessora, os interesses empresariais da Petrobrás foram postos em segundo
ou terceiro plano. Isso levou a desperdícios, comprometeu a geração de caixa e
reduziu as possibilidades de investimento exatamente quando a companhia, depois
da descoberta do pré-sal, teria de cumprir um programa excepcionalmente difícil
e custoso.
Investimentos de US$ 220,6 bilhões estão
previstos para o período entre 2014 e 2018 no recém-divulgado plano de
negócios. A maior parte desse dinheiro, US$ 153,9 bilhões, deverá ser destinada
a exploração e produção. Levantar esses bilhões dependerá da melhora de vários
indicadores. O documento enumera os "pressupostos da
financiabilidade". Será preciso manter o grau de investimento, elevar os
preços de derivados até os níveis internacionais e promover parcerias e
reestruturação do modelo de negócios, tudo isso sem a emissão de novas ações.
Para manter o grau de investimento e
continuar atraente para os financiadores, a empresa terá de melhorar seus
indicadores de endividamento e de alavancagem no prazo de 24 meses. Em outras
palavras, terá de reduzir a proporção entre recursos de terceiros e recursos
próprios e precisará diminuir para menos de 2,5 vezes a relação entre a dívida
líquida e os ganhos antes do pagamento de juros, impostos e dividendos
(Ebitda).
Não são números e objetivos escolhidos de
forma arbitrária. A Petrobrás ganhou destaque na imprensa internacional, em
outubro, como a empresa mais endividada do mundo, de acordo com levantamento do
Bank of America Merrill Lynch. Quanto ao risco de ser rebaixada pelas agências
de avaliação de crédito e perder o grau de investimento, está longe de ser
imaginário.
No ano passado a Standard & Poor's
alterou a perspectiva da empresa de estável para negativa. Poucos meses depois,
a Moody's baixou a classificação da Petrobrás de A3 para Baa1 com perspectiva
negativa, preservando o nível de investimento. Para justificar a revisão a
agência citou o nível de alavancagem e a perspectiva ruim de geração de caixa
nos anos seguintes.
A perda de valor de mercado afetou tanto a
Petrobrás quanto a Eletrobrás, prejudicadas principalmente pela interferência
política na administração das maiores estatais, convertidas em casas da mãe
Joana. O loteamento de postos e o desprezo aos critérios técnicos tem sido uma
das marcas principais da gestão petista.
Dirigentes de grandes companhias controladas
pelo governo - para nem falar da maioria dos ministros - são identificados mais
pelo nome de seus padrinhos do que pela reputação profissional. Parte do
noticiário sobre a prisão do ex-diretor de Refino e Abastecimento Paulo Roberto
Costa tratou de suas relações com políticos do PP, do PMDB e de sua livre
circulação no Congresso.
O desprezo aos padrões empresariais foi
evidenciado nos fracassados projetos de associação com a PDVSA, no controle de
preços de combustíveis, na baixa qualidade de vários investimentos, na
desastrosa compra da refinaria de Pasadena, no Texas, e na conversão da
Petrobrás em instrumento de uma política industrial com validade vencida e
injustificável no século 21.
O grotesco episódio do petroleiro João
Cândido, lançado ao mar em 2010 com palavrório de Lula e nenhuma condição de
navegar, foi uma boa demonstração de um estilo de governo e de administração. A
aprovação da compra da refinaria texana com base num sumário executivo, como
confessou a presidente da República, foi perfeitamente compatível com esse
estilo gerencial.
Sua fama de administradora jamais foi merecida. Essa
trapalhada confirma a opinião de quem nunca aceitou a lenda. Estranha, mesmo,
era a presença no Conselho de Administração, então chefiado pela ministra da
Casa Civil, Dilma Rousseff, de grandes empresários. Sua função, para o governo,
seria legitimar os desmandos cometidos na empresa. Como podem ter ignorado esse
detalhe?
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