Por R$ 300, RG e carteira de motorista falsos
são feitos em uma hora na Sé
Os gritos que anunciam a venda de "foto
3x4" na praça da Sé escondem um crime: o comércio de documentos
falsificados. Bem em frente ao Poupatempo, na praça da Sé, onde identidades oficiais
são emitidas, um grupo vende RGs e CNHs (Carteira Nacional de Habilitação)
fraudados.
Por R$ 300, uma pessoa pode se passar por
outra ou mudar idade e número de identidade em menos tempo que o processo
oficial paulista. O esquema no centro de São Paulo é procurado por
adolescentes, que usam falsificações para entrar em baladas.
Com acompanhamento do departamento jurídico
da Folha, a reportagem encomendou um RG e uma CNH para comprovar o esquema –os
documentos serão entregues ao Ministério Público do Estado. Em 70 minutos e com
uma foto de criança, uma jornalista maior de idade "virou" uma menina
de 11. Esta repórter teve o nome e o de seus pais modificados. Bem-feitas, as
cópias são elogiadas por peritos.
O perito Celso Del Picchia examina carteira
de habilitação falsificada comprada em São Paulo.
Para a compra, basta abordar alguns rapazes
que anunciam a venda de fotos ou aqueles com coletes "compro ouro".
Com uma cópia do original, uma assinatura numa folha em branco e uma foto 3x4,
uma nova identidade é feita. "O papel é igual ao original. Não é original,
mas é 80%", disse um dos vendedores. Outro mostrou o próprio RG: "O
nome não é meu".
A negociação aconteceu em uma loja em frente
ao Poupatempo, no nº 44 da rua do Carmo. As fotos 3x4 foram feitas ali. Um
homem as levou, junto com as assinaturas e as cópias, para outro lugar e
instruiu a repórter a aguardar na parte externa do Poupatempo. Ali, a segunda
via de um RG é emitida por R$ 35,33 num prazo de até cinco dias úteis.
Setenta minutos depois, um gesto só com a
cabeça, como quem diz "entre aqui", indicava que os documentos
estavam prontos. Num canto da loja e com pedido de discrição, as falsificações
foram entregues –"está 'embaçado' aqui por causa da polícia".
Falsificar documentos, assim como seu uso, é crime, punido com reclusão de dois
a seis anos e multa.
PERÍCIA
Um dos vendedores diz que o documento falso
"passa a olho nu, mas não a laser". Ele se refere à luz negra
utilizada para verificar a fluorescência. Para o perito Celso Del Picchia, as
falsificações são as melhores que já viu. "O documento não resiste à perícia,
mas não é facilmente percebido por leigos sem o equipamento adequado."
Para verificar a autenticidade do documento,
Del Picchia recomenda observar o brasão no canto superior esquerdo com uma
lente de aumento. As letras dos falsos não têm nitidez, mostra ele. Para o
perito, a forma mais eficaz de coibir esse tipo de falsificação é adotando um
documento único e com tecnologia mais avançada.
Uma lei de 1997 que criava um registro civil
unificado nunca saiu do papel. Agora, o Congresso discute um novo projeto,
proposto pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2015. O texto cria a
Identificação Civil Nacional, com o CPF como número único e a biometria como
meio para identificar os cidadãos, aproveitando a coleta do TSE.
O deputado federal Julio Lopes (PP-RJ),
relator da proposta, diz que sua urgência será votada na terça (18), o que
significa que o plenário pode votar o texto em 30 dias. Ele afirma que o custo
será "insignificante", sem estimá-lo, porque a substituição de
documentos seria feita aos poucos, quando expirassem. O delegado Amadeu dos
Santos, do 1º DP (Sé), diz que a polícia conhece esse tipo de crime e o
combate.
Esquema de falsificação de documentos em SP
O departamento jurídico da Folha acompanhou
desde o início todo o processo de produção da reportagem. A orientação dos
advogados do jornal teve como objetivo documentar que o único interesse era
jornalístico: revelar o esquema de falsificação de RGs e CNHs que existe em São
Paulo e submeter os documentos a peritos, e não utilizá-los para fins ilícitos.
O RG com data de nascimento alterada e a CNH
com nomes modificados serão entregues ao Ministério Público do Estado de São
Paulo.
Outro lado
A 1 km da praça da Sé, no casarão onde fica o
1º Distrito Policial, na Liberdade (centro), o delegado Amadeu dos Santos diz
que os policiais têm ciência do crime de falsificação de documentos e que o
combatem "diariamente".
"Não tem essa de 'ah, vamos investigar'.
É direto", diz ele, citando números: em 2016, foram 24 ocorrências no 1º
DP envolvendo documentos falsos na praça da Sé. Dos 24, 17 foram em flagrante.
"A maioria de atestados falsos. Mas tivemos RG e CNH também", afirma,
lembrando o caso de um jovem do 3º ano do Ensino Médio pego neste ano.
"Ele comprou para ir a uma festa. Seu pai veio aqui bravo pra
caramba."
A investigação, diz ele, é feita com
policiais infiltrados que acompanham a negociação dos documentos falsos.
"Muitas vezes, são pessoas que estão aí no meio da população. Não tem
central onde você vá pegar uma pessoa com 50 espelhos de RG ou CNH. É muito
pulverizado", afirma. O que dificulta, diz Santos, é que, para inibir
flagrantes, os vendedores não carregam nada com eles. "Trabalham como
formiguinhas."
Os falsários ficam em salas comerciais -só
com um computador e impressora de boa qualidade, segundo o delegado. "Não
tem uma grande estrutura ou um grande fornecedor de documentos." Além do
trabalho da polícia, ele diz que é importante orientar menores a não adquirirem
os documentos falsos, já que seu uso é crime.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a
Receita Federal informou que fez a integração de seus bancos de dados com a
base do cadastro eleitoral do TSE, vinculando mais de 170 milhões de pessoas e
passando a exigir o título de eleitor como documento obrigatório para inscrição
de CPF, de modo a inibir fraudes.
O Instituto de Identificação Ricardo
Gumbleton Daunt (IIRGD) informa que as cédulas de identidade reais contêm
número do registro em vermelho, data de nascimento, nome e CPF gravados em
negrito preto e código do posto responsável pela emissão inscrito ao lado da
foto.
Tem ainda perfuração com a inscrição IIRGD
entre a foto e a digital, marca d'água e película, código de barras e número de
série dos dois lados do documento, que é produzido em papel moeda.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/10/1823061-por-r-300-rg-e-carteira-de-motorista-falsos-sao-feitos-em-uma-hora-na-se.shtml
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