STJ
condena padre que interrompeu aborto legal
O padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Goiás,
foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça a indenizar o casal Tatielle
Gomes da Silva e José Ricardo Dias Lomeu por haver impedido, em 2005, a
antecipação de parto de um feto com múltiplas deformações. (*)
Cruz é presidente do movimento Pró-Vida de
Anápolis (GO).
Ele propôs habeas corpus e obteve liminar
suspendendo procedimento médico no terceiro dia de interrupção da gravidez, apesar
de Tatielle haver obtido autorização judicial para interromper a gestação de
feto sem viabilidade de vida extrauterina.
Ele deverá indenizar o casal no valor de R$
60 mil –corrigidos monetariamente e com a incidência de juros de mora a partir
do dia que Tatielle deixou o hospital.
Ao julgar recurso especial interposto pelo
casal, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que Cruz violou a
intimidade do casal e agiu temerariamente para “fazer prevalecer sua posição
particular”. Segundo Andrighi, o padre “agrediu-lhes a honra” ao denominar de
assassinato a atitude tomada pelo casal sob os auspícios do Estado.
Ainda no entendimento da relatora, “por
incúria ou perfídia”, o padre impôs ao casal “estigma emocional que os
acompanhará perenemente”.
Seu voto foi acompanhado por unanimidade. Da
decisão, cabe apenas embargos de declaração [recursos para esclarecer dúvidas,
omissões ou contradição, que não se prestam a invalidar ou reformar uma
decisão].
Nos autos, o padre alegou que “as
autorizações para abortamento ferem o direito básico à vida existente desde o
momento primeiro da concepção” e que “agiu na mais estrita defesa da vida, da
vida do pobre bebê, que estava em vias de ser assassinado”.
Sustentou ainda que “a decisão não foi de
Luiz Carlos Lodi da Cruz, mas do Poder Judiciário”. Essa tese não foi acolhida
por Andrighi.
“Qualquer tentativa de disrupção do nexo
causal, sob a alegação de que o recorrido apenas provocou o Estado-Juiz, e foi,
efetivamente este que determinou a interrupção da gestação, não merece guarida.
A busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a
maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do
pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito”,
decidiu a relatora.
TJ-GO
julgou ação improcedente
Em setembro de 2013, a 4ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), havia mantido sentença de
primeiro grau que julgara improcedente ação de indenização por danos morais
proposta por Tatielle.
Em decisão unânime, aquela Câmara seguiu o
voto do relator, desembargador Kisleu Dias Maciel Filho: “Se de um lado, os
apelantes sofreram dias de dores e angústia ao terem que aguardar o parto
natural do feto que esperavam, em razão da suspensão do alvará judicial que
autorizava a sua antecipação; por outro lado, há o interesse do apelado, como
cidadão, de utilizar-se dos meios legais ao seu alcance para ver tutelado o
direito à vida, pois as hipóteses em que se admite atentar contra ela estão
elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco
analogia em desfavor da parte, devendo prevalecer o princípio da reserva
legal”.
O casal alegou que o padre tinha a obrigação
de compensar o dano moral pelo uso inconsequente de seu direito de ação, tanto
por ter abusado desse direito, tentando fazer prevalecer seu posicionamento
religioso, quanto pela má-fé, que se caracterizaria pela omissão, no habeas
corpus impetrado, que havia inviabilidade de vida do feto, extrauterina.
Conforme relata o Tribunal de Justiça de
Goiás, Tatielle sustentou que, em 6 de outubro de 2005, obteve na 1ª Vara
Criminal de Goiânia, alvará judicial para antecipação de seu primeiro parto,
pois o feto era portador de múltiplas deformações [Síndrome de Body Stalk].
“O cordão umbilical era muito curto e a
placenta havia ficado próxima de sua parede abdominal, que não se fechou,
deixando as vísceras expostas”, afirmou.
Segundo ela, iniciados os procedimentos para
a indução do parto, inclusive já com medicação para a dilatação do colo do
útero, recebeu a notícia, juntamente com os médicos que a assistiam, de que o
procedimento teria de ser suspenso em razão de liminar proferida pelo TJ-GO, no
habeas corpus proposto pelo padre.
“Contornos
trágicos”
Em seu voto, Nancy Andrighi registra que “o
sofrimento do casal –-e não canso de repetir, principalmente o da gestante-–
ganhou contornos trágicos com a liminar conseguida pelo recorrido [Cruz], que
obrigou a equipe médica a interromper o uso da medicação, quando já havia
início de dilatação”.
“Mais 8 dias se passaram para que a medicação
interrompida fosse eficaz a ponto de induzir o organismo da recorrente a
expulsar o feto, momento em que voltou ao hospital – mas nessa semana,
completamente desassistida, sentiu, desnecessariamente, as dores do longo
processo de adaptação do seu organismo para que levasse a cabo o processo
iniciado no hospital, período em que foi amparada, exclusivamente pelo seu esposo.
”
Ainda segundo a relatora, foi intenso o dano
moral “suportado, tanto pela recorrente [Tatielle] quanto pelo recorrente [José
Ricardo], que a tudo acompanhou, inerme, e ao final, ainda teve que
providenciar o registro de nascimento/óbito e o enterro da criança, que como
previsto, veio a óbito logo após o nascimento”.
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