SOBRE
O ÓCIO
"[...]
com grande consenso eles nos recomendam os vícios. Se nada tentamos que nos
seja salutar, já nos será em si mesmo proveitoso apartar-nos: isolados, seremos
melhores. E que dizer de juntarmo-nos aos melhores homens e elegermos algum
modelo pelo qual conduzamos nossa vida? Isso não é possível sem ócio: pois ele
propicia o perseverar-nos no que nos agradou, desde que ninguém, com o concurso
da multidão, nos desvie a convicção ainda mal-afirmada; pois então, a vida pode
avançar em curso igual e regular, enquanto a entrecortamos com nossos
propósitos contraditórios. Pois, dentre os restantes males, o pior é aquele que
nos faz mudar nossos próprios vícios. Assim nem sequer isto cabe a nós:
permanecer no mal já familiar; apraz-nos ir de um a outro, aflige-nos não só a
insensatez mas até a frivolidade de nossos juízos. Hesitamos, e uma coisa por
outra compreendemos; abandonamos o que havíamos procurado, procuramos de novo o
que havíamos abandonado: alternam-se em nós a cupidez e o arrependimento.
Dependemos, com efeito, de opiniões alheias, e melhor nos parece aquilo que
encontra muito elogiadores e pretendentes, não aquilo que, em verdade, merece
ser elogiado e pretendido; nem estimamos bom ou mau, por si mesmo, um caminho,
mas pelas numerosas pegadas que não mostram as marcas do retorno".
SÊNECA, Sobre o ócio.
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