O império da
bandidagem
A última
estarrecedora novidade no circo de horrores em que se transformou o caso
Cachoeira é a decisão do juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima, responsável por
processos criminais que resultaram da Operação Monte Carlo, de solicitar
afastamento do caso à Corregedoria-Geral do Tribunal Regional Federal da 1.ª
Região (TRF1), sob a alegação de que ele próprio e a família têm sofrido
ameaças de morte, presumivelmente por parte de policiais envolvidos no
escândalo. A medida do impacto negativo dessa decisão pode ser avaliada pela
manifestação do presidente do STF, ministro Ayres Britto: "É um caso de
gravidade incomum". A pergunta que cabe: o aparato governamental não tem
condições de garantir segurança a seus agentes, para que possam se dedicar
incólumes ao pleno exercício de suas funções?
No pedido de
afastamento, documento a que o Estado teve acesso, o magistrado goiano afirma
encontrar-se em "situação de extrema exposição junto à criminalidade do
Estado de Goiás" e explica que, apesar de se submeter a um rígido esquema
de segurança recomendado pela Polícia Federal (PF), as ameaças que recebe são
constantes: "Minha família, em sua própria residência, foi procurada por
policiais que gostariam de conversar a respeito do processo atinente à Operação
Monte Carlo, em nítida ameaça velada, visto que mostraram que sabem quem são
meus familiares e onde moram".
De acordo com o
juiz, "pelo que se tem de informação, até o presente momento, há crimes de
homicídio provavelmente praticados a mando por réus do processo pertinente à
Operação Monte Carlo, o que reforça a periculosidade da quadrilha". É
compreensível, embora lamentável, portanto, a decisão do magistrado de, para proteger
a família e a si próprio, abandonar o caso e, ainda por medida de precaução,
passar um tempo no exterior.
A Operação Monte
Carlo, deflagrada em fevereiro do ano passado pela Polícia Federal para
investigar a atuação de organizações criminosas envolvidas na exploração do
jogo em Goiás e no Distrito Federal, resultou em duas ações penais na Justiça
Federal em Goiás, sob a responsabilidade do juiz Moreira Lima, e também em
processos que correm no STF, envolvendo réus com foro privilegiado. No âmbito do
TRF1 o processo foi desmembrado por iniciativa de Moreira Lima, para agilizar
sua tramitação: um é relativo aos oito réus que estão presos, entre eles
Carlinhos Cachoeira. No outro estão os 73 réus que estão soltos, entre eles 35
policiais civis, militares e federais. A pergunta inevitável: não seria uma
cautela elementar manter presos também os réus que são policiais?
Essa seria a melhor
decisão, se também nesse caso prevalecesse o argumento do desembargador Sergio
Bittencourt, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
(TJDFT), que na semana passada rejeitou o habeas corpus impetrado pela
revogação da prisão de Cachoeira. Afirma o magistrado em seu despacho:
"Não se pode olvidar o fato de as investigações mostrarem ser o paciente o
líder de uma organização criminosa com complexas relações ilícitas, que
envolvem autoridades de grande influência em Poderes da República, o que
justifica a manutenção da prisão para a garantia da ordem pública". Ora,
se Cachoeira deve continuar preso para que não exerça sua influência
perniciosa, no caso, sobre "os Poderes de República", o mesmo deveria
valer para os policiais suspeitos que ameaçam a integridade física de quem deve
julgá-los.
De qualquer modo, a
Justiça, por decisão da 3.ª Turma do TRF1, deu outra boa notícia ao rejeitar o
argumento da defesa do contraventor, de que seriam ilegais as escutas
telefônicas com base nas quais a PF desenvolveu a Operação Monte Carlo. A
justificativa apresentada era de que o inquérito é ilegal porque baseado em denúncias
anônimas. O relator, juiz federal Tourinho Neto, havia acolhido esse argumento,
que não foi aceito pelos dois outros magistrados da 3.ª Turma. Tourinho Neto,
aliás, é o mesmo juiz que, na semana passada, havia mandado libertar Cachoeira.
Isso só não aconteceu porque o contraventor tem o rabo preso em mais de um
processo.
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