Analfabetos na universidade
Sempre se soube que um dos principais
entraves ao crescimento do Brasil é o gargalo educacional. Novas pesquisas,
porém, revelam que o problema é muito mais grave do que se supunha. A mais
recente, elaborada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa,
mostrou que 38% dos estudantes do ensino superior no País simplesmente
"não dominam habilidades básicas de leitura e escrita".
O Indicador de Analfabetismo
Funcional, que resulta desse trabalho, não mede capacidades complexas. Ele é
obtido a partir de perguntas relacionadas ao cotidiano dos estudantes, como o
cálculo do desconto em uma compra ou o trajeto de um ônibus. Mesmo assim, 38%
dos pesquisados não atingiram o nível considerado "pleno" de
alfabetização, isto é, não conseguem entender o que leem nem fazer associações
com as informações que recebem.
Para os autores da pesquisa, resumida
pelo Estado (16/7), os resultados indicam que o notável aumento da
escolarização verificado nas últimas décadas ainda não se traduz em desempenho
minimamente satisfatório em habilidades básicas, como ler e escrever, e isso
num ambiente em que essas etapas do aprendizado já deveriam ter sido plenamente
superadas, isto é, nas universidades.
A "popularização" do ensino
superior, com a abertura indiscriminada de faculdades ávidas por explorar um
público de baixa escolaridade - que não consegue ingresso nas universidades de
prestígio, mas sabe que o diploma é uma espécie de "passaporte" para
melhorar o salário -, é vista como um dos fatores principais do fenômeno. Essas
escolas, concluem os especialistas, se adaptaram confortavelmente a um mercado
consolidado, e só reagirão diante da exigência sistemática por melhor
qualidade, que deve vir do governo e dos próprios alunos.
No entanto, o tempo para a reversão
desse quadro é curto. O sentido de urgência se dá diante do desafio de colocar
o Brasil entre os países mais competitivos do mundo, ante o encolhimento dos
mercados por conta da crise. A situação de semianalfabetismo nos campi
brasileiros - que contraria o discurso populista da presidente Dilma Rousseff
segundo o qual seu governo, como o anterior, cuida mais dos jovens do que do
PIB - talvez seja o indicador mais importante para medir o tamanho do fosso que
nos separa do mundo desenvolvido.
Em primeiro lugar, a indigência
intelectual compromete os projetos de aperfeiçoamento profissional, por mais
bem-intencionados que sejam. Não se pode esperar que egressos de faculdades sem
nenhuma qualificação possam acompanhar as mudanças tecnológicas e científicas
cujo desenvolvimento é precisamente o que determina a diferença entre países
ricos e pobres. A China, por exemplo, já entendeu que sua passagem de
"emergente" para "desenvolvida" não pode prescindir da
qualificação de seus trabalhadores, como mostrou José Pastore, em artigo no
Estado (16/7).
Os chineses, diz Pastore, têm
investido pesadamente no ensino superior, cujas matrículas foram multiplicadas
por seis nos últimos dez anos. Agora, quase 20% dos jovens em idade
universitária estão no ensino superior na China, enquanto no Brasil não passam
de 10%. Ademais, a China demonstra há décadas um vivo interesse em enviar
estudantes ao exterior, para uma preciosa troca de informações que encurta o
caminho do país na direção do domínio técnico essencial a seu desenvolvimento.
Só em 2008, diz Pastore, os chineses mandaram 180 mil estudantes para as
melhores universidades do mundo, volume que se mantém ano a ano. O Brasil
apenas iniciou o Programa Ciência Sem Fronteira, que pretende enviar 110 mil
estudantes nos próximos anos.
O impacto do investimento chinês em
educação aparece no cenário segundo o qual quase metade do extraordinário
crescimento econômico do país resulta desse esforço de qualificação. Assim, se
o Brasil tem alguma pretensão de competir com o gigante chinês, ou mesmo com
países emergentes menos pujantes, o primeiro passo talvez seja admitir que é
inaceitável entregar diplomas universitários a quem seria reconhecido como
analfabeto em qualquer lugar do mundo civilizado.
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