“Eu vivo. Não conto o tempo”
Portadora de doença pulmonar grave,
Karine Barcelos desafia a curta expectativa de vida.
A convivência com expectativa de vida
que beira 40 anos, a necessidade de tomar dez remédios por dia e sete
internações em sequência por dificuldade de respirar. O término da faculdade em
2011, o primeiro emprego em 2012 e a conclusão de uma trilha de cinco
quilômetros em Paraty, sempre com sorriso estampado, até quando o fôlego
desafiou o passeio.
Karine Barcelos, 24 anos, é portadora
da doença genética ainda sem cura chamada fibrose cística e
a protagonista das duas histórias descritas acima. Ela, gosta de dizer, é a
comprovação de que um copo com água pela metade pode ser “meio cheio ou meio
vazio”, depende apenas de quem olha.
Karine, 24 anos, é portadora de doença
genética sem cura chamada fibrose cística.
“Eu vivo. Não conto o tempo. E sei que
tenho muita coisa pra viver porque zelo muito pela minha vida”, diz ela sobre o
problema de saúde descoberto aos dois anos e que faz parte do conjunto de
enfermidades conhecidas como Doenças
Pulmonares Obstrutivas Crônicas (DPOC) .
O tom otimista da jovem ao falar sobre
a doença que afeta uma em cada 10 mil crianças brasileiras é replicado nas
pesquisas e nos novos tratamentos surgidos nas últimas duas décadas sobre a
fibrose cística.
Quando Karine nasceu, nos anos 1980,
os médicos tinham dificuldade em dizer que os portadores dessa condição
chegariam aos cinco anos de vida. Uma década depois, a literatura já
colecionava casos de pessoas com 30 anos. Hoje, a média de sobrevivência
descrita pelos ensaios clínicos está em quatro décadas, com indícios
contundentes de que o diagnóstico precoce, o controle dos sintomas e o rigor
nas medicações diárias fazem com que a vida não seja necessariamente abreviada.
Silvia Azambuja, mãe de Caio – 13
anos de idade e há 12 em tratamento para a fibrose cística – gasta muito
mais tempo procurando novidades na internet sobre os tratamentos do que
preocupada com as estatísticas de mortalidade da doença.
“Passei por seis médicos diferentes,
enfrentei cinco internações do Caio ainda bebê que pareciam ser motivadas por pneumonia .
Então recebemos o diagnóstico de fibrose e começamos o tratamento quando ele
tinha um aninho”, lembra.
“De lá para cá, foram tantas
novidades... Meu filho nunca mais ficou internado. Hoje, as provas na escola,
as aulas de música, as viagens anuais ocupam muito mais os nossos planos do que
o medo dos números ruins relacionados à fibrose cística.”
Karine aponta todos os remédios que
precisa tomar por dia. "São eles que garantem a minha sobrevivência",
diz
Teste do pezinho
O que torna a fibrose cística grave é
que os genes, herdados da mãe e do pai que não necessariamente manifestam a
doença, provocam alterações nas mucosas que envolvem os pulmões e
o pâncreas. Essa anomalia facilita o surgimento de infecções pulmonares,
compromete a respiração e dificulta a absorção de nutrientes, promovendo a
ocorrência de pneumonias e desnutrição.
Atualmente, o teste do pezinho especial é
capaz de diagnosticar a fibrose logo após o nascimento e evita que os
portadores passem anos acumulando as sequelas nocivas da fibrose sem
diagnóstico. A técnica chamada de de "triagem neonatal ampliada" já
está disponível na maioria das maternidades particulares do País. Faz parte da
rede pública de 9 Estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal, Espírito Santo e
Rondônia).
O secretário do Ministério da Saúde,
Helvécio Magalhães, afirmou em comunicado da pasta que "é preciso
estruturar os serviços para que todos os estados tenham condições de realizar o
diagnóstico (da fibrose) no teste do pezinho até 2014".
Neiva Damaceno, pneumologista responsável pelo Ambulatório de Fibrose Cística da Santa Casa de São Paulo, ressalta que diagnosticando cedo a doença, é possível prevenir as sequelas mais letais (destruição total dos brônquios, a principal causa de morte dos portadores) e permitir que as crianças possam ser favorecidas com os avanços da medicina.
Neiva Damaceno, pneumologista responsável pelo Ambulatório de Fibrose Cística da Santa Casa de São Paulo, ressalta que diagnosticando cedo a doença, é possível prevenir as sequelas mais letais (destruição total dos brônquios, a principal causa de morte dos portadores) e permitir que as crianças possam ser favorecidas com os avanços da medicina.
“Quantas doenças já foram desafio no
ano passado, eram sinônimos de atestado de óbito, e hoje não são mais?”,
questiona a especialista. “A fibrose é progressiva e sem cura, mas há muita
pesquisa no momento e estamos próximos de um medicamento”, afirma a médica.
Karine gosta de dizer que é a
comprovação de que um copo com água pela metade pode ser “meio cheio ou meio
vazio”, depende apenas de quem olha
“A mudança de expectativa de vida dos
portadores foi fantástica. Se conseguirmos tratar as sequelas da doença desde
cedo é possível fazer com que os doentes cheguem à fase adulta com condições
clínicas para um transplante de
pulmão. Caso o transplante seja feito, a doença fica infinitas vezes mais fácil
de controlar. A sobrevida deixa então de ser restrita.”
Foi o caso da jovem Kirstie Mills, da
Grã Bretanha. Portadora de fibrose cística, ela realizou aos 21 anos um
transplante de pulmão duas semanas após casar. Desde então, deixou de usar a
cadeira de rodas para a locomoção. Ganhou fôlego para poder andar sozinha e uma
expectativa de vida não mais mapeada pela medicina.
Inalação e vitaminas
Tratar a fibrose desde cedo,
exemplifica Silvia – a mãe do Caio – é fazer três inalações diárias,
exercícios de fisioterapia respiratória todos os dias, tomar vitaminas, enzimas
não produzidas por causa da alteração no pâncreas e não descuidar da alimentação.
Isso é o que permite ao garoto ter
energia de sobra para as aulas de guitarra. “Já sei tocar várias músicas
do Guns n' Roses”, diz.
O mesmo ritual medicamentoso é
repetido por Karine. Ela aponta a pilha de medicamentos que toma diariamente,
com o sorriso que a acompanha.
“Graças às medicações eu consigo
estudar, terminei a faculdade, arrumei um emprego e fiz a tão sonhada trilha,
algo impensável para os meus médicos anos atrás”, diz.
“Se os remédios garantem a minha
saúde, e eu gosto tanto de viver, então não tenho motivo para reclamar, certo?”
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