Aberto,
ma non troppo
O
Senado levou cinco anos para pôr em votação o mais tímido dos três projetos de
emenda constitucional apresentados na Casa para instituir o voto aberto no
Congresso Nacional - o que retira só as decisões sobre cassação de mandatos
parlamentares do rol de assuntos sobre os quais os mandatários se outorgaram o
direito de tomar posição em sigilo. Em um único dia, graças a manobras
regimentais, a proposta do senador Álvaro Dias, do PSDB paranaense, foi
examinada quarta-feira nas duas rodadas com quórum qualificado exigidas para
iniciativas de alteração da Carta. O texto passou primeiro por 56 votos a 1 e
depois por 55 a 1 - o do senador Lobão Filho, do PMDB maranhense.
Coincidentemente,
também na quarta-feira a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado
aprovou pela unanimidade dos seus 22 membros presentes o parecer que avalizou o
processo de cassação do mandato do representante de Goiás Demóstenes Torres
(ex-DEM, sem partido), aberto no Conselho de Ética, por quebra de decoro
parlamentar. No entanto, dado que o projeto sobre o fim do voto secreto em
casos de perda de mandatos legislativos ainda precisa ser apreciado na Câmara
dos Deputados, em dois turnos, o destino do parceiro do contraventor Carlinhos
Cachoeira ainda será decidido pelo sistema de escrutínio fechado. A votação
está marcada para a próxima quarta-feira.
Demóstenes
- que, na CCJ, a senadora Marta Suplicy, do PT paulista, considerou portador de
"patologia grave" e "pessoa com duas personalidades" - só
será privado do mandato se essa for a vontade de pelo menos 41 dos 81
integrantes da Casa. No anonimato do voto secreto, uma parcela eventualmente
decisiva dos colegas dos acusados de indecoro poderá poupá-lo da destituição
acompanhada da suspensão dos direitos políticos (no caso, até 2027). Por sinal,
a proposta do senador Álvaro Dias, afinal aprovada por seus pares, foi uma
reação ao escândalo da previsível absolvição, em 2007, do notório Renan
Calheiros, representante de Alagoas eleito pelo PMDB.
O
Conselho de Ética o condenou depois de ficar comprovado que o lobista de uma
empreiteira pagava regularmente uma parte de suas despesas pessoais. Mas, no
escurinho do plenário, 40 senadores votaram pela preservação de seu mandato e
apenas 35 pela cassação (6 se abstiveram). Em agosto do ano passado, o vexame
se repetiu, dessa vez na Câmara. A salvo de eventuais represálias do
eleitorado, 265 deputados mantiveram na sua cadeira a representante Jaqueline
Roriz, filha do mandachuva da política no Distrito Federal, Joaquim Roriz,
flagrada recebendo em dinheiro vivo o que parecia uma propina. Apenas 166
parlamentares julgaram que ela merecia ser cassada.
À
parte o fato de que o voto secreto é uma bênção para os políticos exercerem
impunemente a sua conivência com os maracuteiros no seu meio, a prerrogativa
constitucional não deixa de ter a sua lógica. Presume que o parlamentar deve
ser preservado de pressões, constrangimentos e represálias aos quais
dificilmente poderia resistir, caso tivesse de se expor em votações sobre vetos
presidenciais, indicação de membros dos tribunais superiores e agências
reguladoras, além de chefes de representações diplomáticas do País. Em relação
às cassações, hipotéticas convicções íntimas sobre a inocência dos réus
cederiam ao clamor popular pela sua defenestração.
Mas,
assim como, na democracia, a privacidade dos agentes públicos encontra o seu
limite natural no interesse coletivo manifestamente procedente, a proteção dos
legisladores contra injunções de variada natureza - sobretudo aquelas que se
originam dos governos - esbarra em um obstáculo irremovível: o direito do
eleitorado de saber, caso a caso e sem exceções, como se comportam os seus
representantes. Ou, em português corrente, "senador e deputado que não
aguentam pressão têm de voltar para casa", para citar o senador Pedro
Taques, do PDT de Mato Grosso. E tem mais: o voto secreto no Congresso pode
servir - e não raro há de servir - para preservar ou promover os interesses
particulares de seus integrantes.
Voto
secreto legítimo só pode ser um - o do eleitor. Um dia, quem sabe, chegaremos
lá.
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