Todo poder emana de Renan e em seu nome
será exercido
O Brasil chegou
às portas de uma nova crise institucional com a atitude grotesca do presidente
do Senado, Renan Calheiros, de desrespeitar uma determinação da Justiça. A
liminar do ministro do Supremo Marco Aurélio Mello proibindo o parlamentar de
continuar no comando da Casa tinha que ser prontamente atendida. E não foi.
Decisão judicial não se discute, se cumpre. É um dos princípios lapidares da
sociedade civil organizada. Do contrário é desacato ou, como avaliou o ministro
Barroso, do Supremo, constitui golpe. Renan foi adiante a despeito das
consequências e em meio ao espanto geral da população com aquele que se
habilitava a ser o primeiro cidadão acima da lei.
Que exemplo estava dando! Na
base da afronta clara, o senador se fez de rogado e desconsiderou a ordem.
Armou situações patéticas para driblar o funcionário do STF que foi lhe
entregar a notificação.
Articulou com seus pares e aliados uma espécie de
rebelião do Congresso (com assinatura conjunta da mesa diretora e tudo mais) e
decretou em coletiva de imprensa, para não pairar dúvidas: continuava onde
estava. Uma pendenga legal de natureza pessoal converteu-se assim em crise de
Estado.
O sonoro não que Renan dava à mais alta Corte servia para avisar que
naquele terreiro mandava ele – ali era o seu quinhão particular da República e
lá todo poder dele emanava. Ao menos no seu entender e da corriola. Com a
desobediência em curso escancarou-se um precedente, no mínimo, temerário. A
título de jurisprudência, periga a moda pegar.
Algum tempo atrás, em maio, o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha, perdeu o cargo, o mandato e acabou indo
parar atrás das grades, por ser ele réu em processo criminal, depois de uma
liminar do ministro Teori Zavascki. Mesmo roteiro, desfechos diferentes. Renan,
também réu por peculato, não arredou pé e deu de ombros à liminar.
Não estava
nem aí para o que iam pensar dele. Quis demonstrar força e saiu vitorioso, num
deboche sem precedentes ao País e à Carta Magna. O Congresso ficou na condição
de picadeiro e os brasileiros de palhaços na plateia a animar o espetáculo.
Não seriam os
únicos lances surrealistas dessa ópera bufa. Ato contínuo, na tentativa de
colocar panos quentes, o Supremo superou expectativas. Marcou às pressas, para
o dia seguinte, uma sessão extraordinária na qual, ao votar o mérito da
liminar, deu ganho de causa a Renan por seis votos a três.
Vários dos votos
foram emitidos justamente por quem antes condenava a possibilidade de um réu
seguir na linha sucessória da presidência da República. O exercício torto de
explicações dos magistrados para justificar o veredicto não escondia o cheiro
de acórdão de poderes. Geraram uma jabuticaba política, acochambraram a
Constituição.
Renan continua réu e presidente do Senado, sem poder assumir o
papel de substituir o mandatário da Nação. O relator do caso, o ministro Marco
Aurélio Mello, definiu a saída como uma “meia-sola” constitucional. E está
certo. Na prática, a Carta não prevê que se “pule” alguém na linha de
substituição do chefe do Executivo.
Quem dirige o Senado, independentemente de
ser ele Renan ou qualquer outro, tem por missão inerente ao cargo ser o
terceiro habilitado a assumir a presidência do Brasil nas eventualidades (antes
dele, por ordem, o vice e o presidente da Câmara).
Renan, com sua audácia e
desaforo patente, conseguiu dar um nó nas regras. Vida que segue! Há de se
perguntar por quais caminhos tortuosos essa claudicante República ainda terá de
seguir até alcançar um padrão de fundamentos democráticos de Primeiro Mundo?
Quão frágeis estão agora as instituições depois de mais essa querela? São
questões que ficam no ar. Renan, que já foi deposto dessa mesma direção do
Senado e depois voltou, transformou o Congresso em quintal dos seus domínios e
estremeceu a segurança jurídica que ainda se imaginava ter por aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário