"As pessoas dizem 'tem que morrer mesmo' porque não é o filho delas", afirma pai de jovem morto na
Cidade de Deus
Pai diz que pessoas aprovam morte de filho porque não moram na favela.
Diante do caixão com o corpo do
filho, o pastor Leonardo Martins da Silva tira o smartphone do bolso e mexe na
tela como quem checaria uma mensagem.
No aparelho, começa a tocar uma canção
evangélica - o som abafado marca os últimos momentos do velório.
Em seguida, ele puxa o véu branco
sobre o rosto do filho, a única parte ainda exposta do corpo, coberto por um
manto de flores brancas. Sai de lado por um instante e volta com a tampa do
caixão.
Leonardo Martins da Silva Júnior,
conhecido como Pula Pula, foi um dos sete jovens assassinados na Cidade de
Deus, favela na zona oeste do Rio de Janeiro, na noite de sábado para domingo.
Segundo o pai, ele tinha duas passagens pela polícia e completaria 21 anos
nesta quarta-feira.
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risco de morte: os dramas das 'refugiadas' trans brasileiras.
'Quando cheguei, descobri o que era
ser negra': como africanos veem o preconceito no Brasil.
"As pessoas que falam que 'tem
que morrer mesmo', que foi uma operação bem-sucedida, elas falam isso porque
não é o filho delas", diz ele. "Para essas pessoas eu diria: vem
conviver aqui na comunidade. Qualquer comunidade. Na Maré, na Rocinha. Vem
viver aqui dentro."
No domingo pela manhã, quando
notícias das mortes se espalhavam pela comunidade, o pastor ajudou a mobilizar
um grupo de cerca de cem pessoas que entrou na mata para buscar os corpos.
Moradores próximos aos corpos dos
jovens mortos
Polícia investiga se mortes ocorreram
em confronto com milicianos ou policiais.
A polícia investiga o assassinato dos
sete jovens, ocorrido em uma localidade da comunidade conhecida como Karatê no
mesmo dia em que quatro policiais morreram na queda de um helicóptero que
participava de uma operação na favela.
De acordo com a polícia, a perícia
feita em cinco dos sete corpos indica que não há sinais de execução - moradores
acusam agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) de terem executado o
grupo.
Titular da Delegacia de Homicídios do
Rio, o delegado da Polícia Civil Fábio Cardoso afirma que as diligências para
identificar os autores e esclarecer as circunstâncias das mortes dos sete
jovens continuam e seguem duas linhas investigativas - apurando se ocorreram em
confrontos com milicianos ou com policiais.
Pastor da Assembleia de Deus, o
Leonardo Pai tem 45 anos e diz ter dedicado 14 deles à evangelização de
traficantes durante a madrugada na Cidade de Deus.
O depoimento abaixo foi dado à BBC
Brasil algumas horas antes de ele enterrar o filho no jazigo da família no
cemitério Ricardo de Albuquerque, com vista para o Parque Olímpico de Deodoro e
a logomarca da Rio 2016.
Leonardo Martins da Silva, de 45
anos, atuou com evangelização de traficantes.
"Quando eu vi aquilo lá (os
corpos na mata), a minha mente... Eu fiquei sem ação na hora. Não tinha como
tirar foto, as garotas com a gente gritavam.... E eu falei: vamos levar todo
mundo de volta.
Foi covardia. Muita covardia. O meu
filho era dócil, carinhoso, meigo, brincalhão. Quando ele foi começar a
trabalhar, acho que tinha 15 anos, foi vender doce ali na Barra da Tijuca, o
delegado prendeu ele e falou que ele estava de vadiagem. Eu não entendi aquilo.
Falou que ele estava de vadiagem. E aí deu no que deu.
Depois ele colidiu com uma viatura da
polícia, estava sem capacete. Forjaram a cena e disseram que ele estava com
cocaína. Fomos para a Justiça e conseguimos inocentá-lo.
Meu filho era muito meigo. Era uma
pessoa dócil. Mas essa revolta dele, não era para ele ser dessa forma. E
aqueles jovens que morreram, eles eram tudo... tudo garotão. Eles viviam
juntos. E morreram juntos. Barbaramente.
Eles são vítimas. Se fossem
traficantes, a polícia tinha que apresentar as armas. Cadê as armas? Eles foram
cruelmente executados, encontrados sem nada.
Eu cresci aqui na comunidade. Vi o Zé
Pequeno (traficante que chefiou a venda de drogas na comunidade, retratado no
filme "Cidade de Deus"), vi tudo isso. Eu acho que as autoridades têm
que ser mais presentes. Parar de ficar maquiando as coisas. A educação e a
saúde ainda estão péssimas. A segurança, então, nem se fala.
Leonardo Martins da Silva ao pegar a
tampa para fechar caixão do filho.
Pastor organizou busca pelos jovens.
Sei que a educação parte de pai para
filhos, mas se hoje entrar uma educação ética, vai mudar muita coisa.
Eu trabalhei de pesquisador para uma
doutora da Colômbia. Na pesquisa que fiz para ela, eu vi os arquivos de 1888,
quando houve a abolição da escravatura. Os arquivos diziam que quando teve a
libertação dos escravos, em vez de eles apoiarem os trabalhadores que estavam
aqui no Brasil, apoiaram a vinda de estrangeiros.
Ali que começou a guerra. Investiram
nos estrangeiros e foram jogando o pessoal daqui para os morros. A primeira
favela que surgiu é aquela perto do Comando Militar Leste (o Morro da Providência).
Foram jogando as pessoas para os morros. E daí começou a diferença. Eu vi, eu
peguei o livro na mão, está lá no Arquivo Nacional. Foi assim que começou a
guerra.
Sou pastor itinerante da Assembleia
de Deus. Nós tínhamos um grupo que evangelizava traficantes na madrugada. Não é
uma obra fácil. Muita gente se converteu. Fiquei uns 14 anos na madrugada e saí
por causa da minha saúde.
Moradores acompanham operação
policial ocorrida no fim de semana.
Morte de jovens e queda de
helicóptero criaram clima de terror na Cidade de Deus.
Nessa época trabalhávamos com o
pastor Joabe Domingos. Ele era um pastor de fibra. Muitos traficantes se
converteram. Muitos aceitaram a palavra de Deus.
Eles falam que na Cidade de Deus todo
mundo é traficante, todo mundo aqui é bicho, mas não é não. O pastor Joabe foi
um guerreiro, não tenho palavras para explicar (começa a chorar). Ele ensinou a
gente a amar essas vidas! Foi um pai para nós. Mais de 70% das pessoas foram
convertidas na Cidade de Deus através dele.
Meu filho foi criado lá com ele. Foi
batizado no Espírito Santo. E você acha que eu ia deixar aquelas vidas lá
dentro do mato, que eu ia me omitir, com medo de opressão? Falaram que iam
matar a gente se a gente entrasse. Não. Eu não tinha como deixar essas vidas
lá.
Então quando a gente viu aqueles
corpos lá, eu fiquei em estado de... (chora). Não só pelo meu filho, mas por
todos eles, porque nós sempre evangelizamos na madrugada.
Operação policial na Cidade de Deus.
Polícia tem feito operações contra o
tráfico na Cidade de Deus, como esta, nesta quarta.
Eu quero dizer para qualquer
comunidade: pense, antes de ir para o lugar errado. Porque o final é triste. É
ilusório. Porque a crueldade vem. Mas uma coisa eu vou enfatizar: ninguém é
maior que a justiça de Deus.
As pessoas que falam que 'tem que
morrer mesmo', que foi uma operação bem-sucedida, elas falam isso porque não é
o filho delas. Para essas pessoas eu diria: vem conviver aqui na comunidade.
Qualquer comunidade. Na Maré, na Rocinha. Vem viver aqui dentro.
Eu diria que elas também têm filhos,
têm esposas, maridos. A gente tem que fazer a diferença. Não é criticar e dizer
'tem que morrer mesmo'.
Eu creio que quando eles fizeram
aquilo ali com aqueles jovens, foi ali que o helicóptero caiu. Creio eu! Porque
foi a maior injustiça. A Bíblia diz que o que se planta é o que se colhe. Eu
creio que quando eles fizeram aquilo, o helicóptero caiu.
E eu quero dizer para essas pessoas:
eles têm famílias. Para pensarem nos seus filhos."
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