sexta-feira, 1 de junho de 2012

Viva a sabedoria...




OS ALCMEÔNIDAS E DELFOS

Aqui se coloca outro relato tomado de empréstimo a Heródoto, que figura no livro VI, pouco antes das núpcias de Agariste. A anedota se situaria, cronologicamente, pouco antes da guerra sagrada, o que não deixa de implicar um problema, porque se trata do encontro entre Alcmêon, filho de Mégacles, e o rei da Lídia, Creso. Ora, o reino de Creso se inicia pelo menos trinta anos depois. Imagina-se, portanto, que, se a história é verdadeira, tratar-se-ia antes de Aliato. Heródoto conta, pois, que "Creso" teria convidado Alcmêon para ir a Sardes a fim de agradecer-lhe, com um magnífico presente, por ele ter ajudado, em Delfos, seus enviados que tinham ido consultar o oráculo. O presente consistia em levar tanto ouro quanto pudesse carregar sozinho, de uma só vez. A Lídia, como se sabe, era muito rica em ouro, trazido pelas águas do Patolo.

Para aproveitar-se do presente dado nessas condições, Alcmêon empregou este engenhoso estratagema: vestiu um grande chiton [túnica], deixando que se formasse um bolso bem grande na cintura; calçou botas altas, as mais largas que pôde encontrar, e penetrou assim na sala do tesouro, para onde o levaram. Lá ele se lançou sobre um monte de ouro em pó, começou por colocar ao longo de suas pernas a maior quantidade de ouro que coubesse em suas botas, encheu completamente o bolso da túnica, polvilhou os cabelos com ouro, pôs mais um tanto em sua boca e saiu da sala do tesouro mal conseguindo arrastar os pés, parecendo-se com qualquer coisa, menos com um ser humano, a boca cheia e o corpo todo inchado. Ao ver aquilo, Creso teve um acesso de riso. Ele deu a Alcmêon tudo o que ele tinha apanhado, e lhe deu outros presentes de menor valor. Foi assim que aquela casa ficou poderosamente rica, de forma que Alcmêon manteve os animais de uma quadriga e ganhou o prêmio em Olímpia (VI, 125).

Não se sabe que crédito se pode dar a essa história edificante, talvez divulgada pelos adversários da família, quando ela se tornou poderosa na cidade. Não obstante, ela revela certos traços que indicam a posição original dos Alcmeônidas na história de Atenas. Em primeiro lugar, observem-se os laços com Delfos. Foi por ter servido como uma espécie de fiador ao rei "bárbaro" da Lídia (e pouco importa que se tratasse de Aliato ou de Creso), junto aos sacerdotes de Delfos, que Alcmêon em seguida veio a se beneficiar, numa lógica que é a do contradom, da generosidade dele. Isso é de surpreender, uma vez que os Alcmeônidas tinham sido expulsos de Atenas como sacrílegos. Temos de admitir que a "política" de Delfos podia levar em conta circunstâncias outras que não as estritamente religiosas. E se, como se supõe, o Alcmêon da anedota é o mesmo Alcmêon que comandou o contingente ateniense quando da primeira guerra sagrada, há menos motivos para se espantar de uma tal influência. Sabe-se, aliás, que os laços da família com os sacerdotes de Delfos foram se tornando mais estreitos nas décadas seguintes. Quando o templo de Apolo foi destruído por um incêndio em 548, foram os Alcmeônidas que financiaram, em parte, a reconstrução - talvez com o ouro do rei lídio. E foi também depois de consultar o oráculo de Delfos que Clístenes, o filho de Mégacles e de Agariste, do qual já falamos, iniciou sua grande reforma das instituições atenienses.

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