América foi povoada por dois
grupos, mostra DNA
O
DNA de um menino da Sibéria, que morreu aos três ou quatro anos de idade, na
fase mais severa da Era do Gelo, pode ser uma das pistas mais importantes para
entender como o ser humano colonizou as Américas.
Segundo
os cientistas que "leram" seu genoma, o garoto tem semelhanças
genéticas tanto com europeus quanto com os indígenas atuais.
E
a recíproca é verdadeira. Os pesquisadores calculam que a antiga população à
qual o menino pertencia seria responsável por algo entre 15% e 40% da herança
genética dos índios. Esse povo misterioso teria se misturado a outro, oriundo
do leste da Ásia, para dar origem aos habitantes do continente americano.
Há
décadas alguns antropólogos argumentam que o povoamento da América pode ter
envolvido dois grupos geneticamente distintos.
Uma
das vozes mais importantes desse grupo é o brasileiro Walter Neves, do
Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP. O principal indício desse
fato é a variedade no formato dos crânios dos mais antigos americanos, os
paleoíndios --o exemplo mais famoso é "Luzia", fóssil achado em Minas
Gerais, com mais de 11 mil anos.
SEGUNDA
LEVA
Neves
e colaboradores afirmam que o crânio de Luzia e de outros paleoíndios lembra
mais o de aborígines australianos, melanésios e africanos do que o da maioria
dos índios atuais, normalmente comparados a grupos do nordeste da Ásia.
A
ideia é que a maioria dos ancestrais dos índios modernos teria integrado uma
segunda leva migratória, que teria exterminado os paleoíndios ou se misturado a
eles.
"Nossos
achados não apoiam diretamente o trabalho dos brasileiros", disse Eske
Willerslev, biólogo do Museu de História Natural da Dinamarca que coordenou o
estudo, publicado na "Nature". "Parte do material genético da
criança tem afinidades com grupos do sul da Ásia [região de origem dos
paleoíndios, segundo Neves]. Então o artigo se alinha parcialmente à ideia
deles."
Neves
reagiu com cautela e ironia aos achados. "Eu podia estar comemorando,
dizendo 'olha, finalmente alguém fala de herança dual'. Mas vai depender da
estabilidade dos trabalhos deles. Se os achados desse tipo continuarem, vou
poder dizer que estive certo por 25 anos."
MISTURA
Seria
o caso, então, de pensar nos índios atuais como uma mistura de europeus com
asiáticos? Não exatamente. Europeus e asiáticos dessa época eram bem diferentes
dos de hoje. Eles estavam mais próximos de um padrão genético e morfológico
"genérico", resultado da expansão inicial dos humanos modernos da
África para o resto do mundo, diz Fabrício Santos, geneticista da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais).
"Características
mongólicas [a "cara" asiática de alguns índios atuais] teriam sido
adquiridas mais tarde a partir de populações do leste asiático", afirma
Santos.
Rolando
González-José, biólogo do Centro Nacional Patagônico, na Argentina, diz que nem
é necessário postular duas "ondas" de migração para entender os dados
do genoma do novo estudo.
Ele
argumenta que é mais natural pensar que a população "genérica" à qual
pertencia o menino teria se diferenciado cada vez mais ao se expandir para os
quatro cantos da Ásia e das Américas.
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