O Alienista, de Machado de Assis
por
Christian von Koenig em 05/07/2013
O
forçamento e a inadequação ao apresentar Machado de Assis (1839–1908) ao
público brasileiro torna a leitura desse grande escritor um fardo, ao invés do
prazer que verdadeiramente é. Este texto trabalhará no sentido de informar ao
leitor que desconhece por completo a obra machadiana e também àquele que o
achou maçante numa primeira leitura. Para tanto, falarei de O Alienista, que
aparece na obra Papéis Avulsos (1882), já na fase realista do escritor,
considerada também a de maior maturidade.
Primeiro,
o que se há de reparar são os cenários e a linguagem da época. De um
vocabulário rico, sem ser exagerado, Machado revela-se um desafio ao leitor
acostumado às leituras nada exigentes. Um feliz desafio, é claro, pois sua
leitura gratifica o leitor com o enriquecimento de sua expressão.
Muitos
têm a curiosidade de saber como é a experiência de ler grandes escritores em
seus idiomas originais: Balzac em francês, Dickens em inglês, Goethe em alemão…
Pois em Machado de Assis há a oportunidade de ler-se um mestre em português. E
prestar atenção não somente ao que se descreve, mas também a como se escreve,
traz suas recompensas. Metade do que acontece nas obras dele é ação, enquanto
outra é sentido, é sutiliza da língua.
Quanto
à ambientação de suas obras, não se pode pedir que escrevesse seus romances
passados no século XXI. Entretanto, não se duvide de sua contemporaneidade. O
Brasil de Machado de Assis em 1880 está mais próximo do Brasil de hoje do que
muitos escritores atuais têm procurado representar.
É aí
que chagamos a O Alienista, conto breve e belo exemplo da segunda fase
literária do autor. Em Itaguaí, Rio de Janeiro, reside o ilustre médico Simão
Bacamarte. Comparado a Hipócrates, o pai da Medicina moderna, Simão está mais
próximo de um Messias da ciência, por sua devoção à causa científica.
O foco
de sua medicina está nas doenças psicológicas e por isso constrói em Itaguaí um
hospício, a Casa Verde, onde possa tratar os enfermos mentais. Até esse momento
o texto apresenta os personagens e a cidade, com a eventual dose de ironia do
escritor.
Em
seguida, quando Bacamarte passa a recolher a maioria da população para
tratamento, sob a escusa de estarem loucos, então O Alienista transforma-se
numa crítica refinada à vida política e social no país. Pequenos costumes não
escapam à percepção de Machado, como a demora em se pagar empréstimos. Tampouco
se restringe à questão financeira; quem dos leitores já emprestou um livro, um
filme, e não viu mais sombra disso? Pois esse leitor se identificará e achará
graça de uma passagem como:
“Mas
isso mesmo acabou; três meses depois veio este pedir-lhe uns cento e vinte
cruzados com promessa de restituir-lhos daí a dois dias; era o resíduo da
grande herança, mas era também uma nobre desforra: Costa emprestou o dinheiro
logo, logo, e sem juros. Infelizmente não teve tempo de ser pago; cinco meses
depois era recolhido à Casa Verde.”
A
inteligente virada da obra ocorre quando, depois de constatar que dois terços
da população encontrava-se sob seus cuidados, Simão Bacamarte conclui que o
certo na verdade é ser errado da cabeça, ou seja, a loucura é o padrão; a
sanidade, exceção. E então fez liberar todos os ex-loucos e passou a caçar todo
aquele que fosse são, justo e leal, porque estes sim formavam uma exceção.
É isso
o que temos de mais brasileiro até hoje: o erro institucionalizado, consagrado
pela maioria. A injustiça, a corrupção, a fraude, o desvelo, a intriga, a
fofoca… tudo isso considerado a norma padrão em nossa sociedade. Ai daquele que
tenha retidão ou se oponha a tais práticas, este sofrerá de exclusão pior que a
de residir na Casa Verde.
Assim
se constitui O Alienista, obra provocante e cheia de sutilizas. Simão Bacamarte
pode ser o protagonista, mas o maior personagem ali é a própria sociedade, o
conjunto de todos os personagens que habitam o universo desse conto. Focado
principalmente no convívio social e político, Machado imagina com pena
perspicaz e cômica como a loucura tornou-se via de regra em nossas terras.
Esse é
um aspecto pouco comentado sobre ele – Machado de Assis é engraçado. Não são
muitos escritores que podemos ler por serem excelentes e, ao mesmo tempo,
podermos lê-los por prazer alegre, para rirmos. No entanto a graça de Machado
está mais na ironia discreta do que na chalaça, na zombaria exagerada,
recomendada por um outro personagem de
Papéis Avulsos*.
E
Machado é crítico. É um jornalista do Brasil daquela época a escrever para o
futuro, até mesmo para nós de agora, sobre um povo e uma terra dos quais viemos
e que ainda tempos muito em comum.
Eis o
Machado que deveríamos ler: atual, inteligente, popular e engraçado.
*Final
do discurso do Pai, no conto Teoria do Medalhão.
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