O que está em jogo
MERVAL PEREIRA
O que menos importa na
decisão sobre os embargos infringentes é se as penas do ex-ministro José Dirceu
e de outros réus poderão ser reduzidas, ou se eles ficarão em prisão aberta ou
fechada. A condenação está feita, e não há recurso que possa apagar essa mancha
da história do Brasil, protagonizada pelo PT e mais especificamente pelo
ex-ministro Chefe do Gabinete Civil do primeiro governo Lula.
A conseqüência da
decisão que caberá ao ministro Celso de Mello tomar diz respeito, do ponto de
vista da sociedade, menos ao destino dos condenados e mais ao do país. O
Supremo Tribunal Federal está a caminho de perder a confiança do povo
brasileiro, que passou a considerá-lo um sustentáculo do sistema democrático,
imune a influências externas, a partir de sua atuação desassombrada no
julgamento do mensalão.
O fato concreto é que a
partir de sua nova composição, em substituição ao plenário original que iniciou
o julgamento, houve uma mudança de espírito na Corte, com o ministro Luiz
Roberto Barroso reforçando a posição do ministro-revisor Ricardo Lewandowski
sobre supostas injustiças que teriam sido cometidas.
Declarações como as que
deu mesmo antes de ser aprovado na sabatina do Senado, de que o julgamento fora
“um ponto fora da curva”, eram recorrentes durante seus votos na análise dos
embargos de declaração, mesmo que seguisse os votos do relator.
Barroso sempre fez
questão de pontuar suas queixas antes de apoiar as decisões tomadas
anteriormente, como se estivesse cumprindo um ritual que o desagradava. O mesmo
sentimento tinha o outro novato no plenário, o ministro Teori Zavascki, embora
não revelado na sua quase mudez das primeiras sessões.
Quando se abriu uma
brecha para que mudasse seus votos, mesmo que essa atitude soasse extemporânea
diante do motivo alegado, ele já tinha uma relação deles a serem alterados,
principalmente na dosimetria das penas sobre formação de quadrilha. Ele e
Barroso, aliás, já haviam mudado o entendimento do Supremo sobre esse crime no
julgamento do caso do senador Ivo Cassol, ao se unirem aos quatro outros juízes
que não viram formação de quadrilha no mensalão.
Tudo indica que havendo
novo julgamento sobre formação de quadrilha no mensalão, os condenados já têm
maioria no novo plenário para serem absolvidos, isto na hipótese de nenhum
ministro alterar seu modo de pensar até lá.
Não será preciso nem
muita delonga para tentar a prescrição do crime, nem reduzir a pena dos
condenados com o mesmo objetivo, tese também que já tem a maioria no plenário.
Essas mudanças devem ser analisadas à luz dos comentários do jurista Mário
Guimarães citados na sessão de quinta-feira pelo ministro Gilmar Mendes.
Duvidando que os
“embargos opostos perante o mesmo corpo judicante possam oferecer melhor
garantia de julgamento aos que litigam”, Guimarães lembrava, já em 1952, que a
tendência é “conservarem os juízes a própria opinião, o que é lógico, desde que
novas provas, nesta altura da causa, já não se podem trazer”.
Ele lembrava, porém,
que às vezes surgem decisões diferentes, “quando se ausenta ou é substituído algum
dos julgadores”. Tais ocorrências, “que chegam até a modificar a
jurisprudência”, constituem, para Mario Guimarães, fatos fortuitos que não
devem ser levados em conta para a aplicação da lei.
O ministro Gilmar
Mendes resumiu bem o espírito da análise do jurista: “ou o trabalhoso e custoso
ato do já sobrecarregado Plenário é inútil ou, pior, trabalha-se com a odiosa
manipulação da composição do Tribunal.”
A composição original
do STF que começou a julgar o mensalão tinha 8 dos 11 ministros indicados seja
por Lula, seja por Dilma. E ninguém tinha certeza do que sairia de cada uma
daquelas mentes, o que era um eloquente elogio à independência da mais alta
Corte do país, na contramão do que acontece às suas congêneres na América
Latina, manipuladas por alterações que as colocam na maior parte das vezes a
reboque do governo do momento.
Esse sentimento de que
está havendo manipulação da composição do STF é o que de mais grave pode
ocorrer para a imagem do sistema jurídico brasileiro.
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