Plebiscito é só embromação!
JOSÉ NÊUMANNE *
A presidente Dilma Rousseff tem feito
o possível para fazer do limão das multidões contra tudo nas ruas das cidades
brasileiras a mesma limonada envenenada com que seu Partido dos Trabalhadores
(PT) tenta em vão engabelar o País desde 2007. Há seis anos os petistas querem
moldar as instituições republicanas a seus interesses específicos e impor a
suas bases no Congresso Nacional uma reforma política que favoreça, se não uma
imitação tupiniquim do bolivarianismo chavista, pelo menos a garantia de sua
permanência no poder. Mas a acachapante maioria no Legislativo não bastou para
aprovar o que os maiorais do socialismo caboclo consideram fundamental para
manter suas "boquinhas". Agora o povo foi para a rua e a chefe do
governo tentou incontinenti surrupiar suas palavras de ordem para convocar uma
Constituinte exclusiva, capaz de satisfazer os caprichos que a reforma constitucional
não possibilitou. O óbvio golpe sujo não colou, mas ela mantém idêntica
embromação em forma de consulta popular, o plebiscito.
Acontece que as multidões ocuparam as
ruas para reclamar, primeiro, da elevação da tarifa do transporte público. E
daí em diante, sem oposição à altura que os represente na democracia, os
manifestantes passaram a protestar contra o óbvio: a inflação, a impunidade, a
violência, a corrupção e, sobretudo, a péssima prestação de serviços por um
Estado que cobra um absurdo de impostos. A Central Única dos Trabalhadores
(CUT), braço sindical do PT (ou será o contrário?), foi rechaçada a pauladas de
manifestação no Rio. E ninguém no País ouviu os gritos de "fascistas"
com que militantes esquerdistas tentaram abafar o clamor apartidário que
abortou a tentativa de infiltrar bandeiras do partido e camisas vermelhas numa
passeata na Avenida Paulista. Esses invasores obedeciam à palavra de ordem do
presidente nacional petista, Rui Falcão, que queria reverter a onda contra
políticos numa manifestação a favor de Dilma e seus correligionários, alvos
prioritários da insatisfação generalizada.
A resposta do governo foi de um
cinismo atroz. Com o ministro da Educação, Aloizio Mercadante Oliva, no papel
de Richelieu do Cerrado, dona Dilma pediu ao povo na rua o aval para uma
reforma política de interesse exclusivo de sua grei. O PT quer lista fechada de
candidatos indicados pela oligarquia partidária para furtar do eleitor o
direito de escolher seu parlamentar preferido. E financiamento público
exclusivo para campanha eleitoral para extorquir do bolso do contribuinte
despesas de propaganda de candidatos, cada vez mais altas. O cidadão já
contribui para o tal Fundo Partidário e está com as finanças exauridas de tanto
patrocinar vantagens e benesses dos "pais da Pátria".
Ao fazê-lo, ela diz que está ouvindo
a "voz rouca das ruas". Mas o povo quer mudar tudo e ela só dará mais
do mesmo. Enquanto seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciava que
aumentará a carga tributária, com que o brasileiro não suporta mais arcar, para
pagar promessas feitas para dissolver as passeatas das massas, ela reuniu 37 de
seus 39 ministros, quase todos recrutados das bancadas dos partidos que alicia
para seu palanque para a reeleição.
Talvez ela não tenha nomeado um
ministro para cuidar das redes sociais porque o 40.º à mesa lembrará certo
conto das 2.001 noites. Tal referência certamente não é nada agradável enquanto
Rosemary Noronha, amiguinha íntima de seu padrinho e antecessor, Luiz Inácio
Lula da Silva, protagoniza um escândalo em que é acusada pela Polícia Federal
(PF) de fazer parte de uma quadrilha que traficava influência na cúpula
federal. Por que Dilma não aproveita a capacidade auditiva que nunca tinha
demonstrado antes para dispensar seu ministro da Justiça, José Eduardo Martins
Cardozo, da condição de Maquiavel do Planalto para que ele solucione este caso
e descubra quem lucrou com a tenebrosa transação da compra da refinaria de
Pasadena pela Petrobrás?
Mas ela preferiu foi se aproveitar
com desfaçatez oportunista da conquista da Copa das Confederações, definindo a
própria gestão, contestada em praça pública, como "padrão Felipão".
Mesmo tendo o Datafolha revelado na véspera sua queda de 27 pontos porcentuais
e a constatação de que já não ganharia a reeleição no primeiro turno. Em vez de
reunir o Ministério, cujo número a incapacita de conversar com um por um, ela
deveria tê-lo reduzido a 12, número fixado por Jesus Cristo como ideal para uma
equipe administrável. Mas como esperar isso de quem convoca governadores,
prefeitos, sindicalistas, gays e lésbicas para que a escutem, e não para
ouvi-los?
Pelos decibéis de suas broncas em
subordinados, que contrastam com o papel de boneco de Olinda (só que falante!)
que ela desempenha em pronunciamentos públicos convocados para embromar os
cidadãos, que trata como súditos, Dilma deve ter muita dificuldade em ouvir a
própria voz. Quanto mais a dos interlocutores que convoca para... escutá-la!
Seus berros de "otoridade", porém, não impedirão que os clamores da rua
cheguem às casas dos brasileiros. A queda vertiginosa nas pesquisas deixa claro
que as favas para a reeleição já não são contadas e, se ainda é cedo para
prever sua eventual derrota no pleito, não custa lembrar que a galáxia de
adesões obtidas com a barganha de cargos por apoio parlamentar pode encolher
com os índices de prestígio.
De fato, seu antecessor e padrinho
Lula caiu para 28 pontos (dois menos do que ela agora) na pesquisa Datafolha
feita à época em que o mensalão foi denunciado e, ainda assim, se reelegeu. Só
que agora o julgamento desse escândalo no Supremo Tribunal Federal STF) e a
condenação de seus companheiros Dirceu e Genoino deram à Nação a certeza de que
seu partido em nada contribuiu para reduzir a corrupção no País. E se ela
continuar condescendendo com a inflação e a impunidade, os cidadãos poderão
sair de suas casas e das ruas para votar contra a perenização do status quo que
os deixa indignados.
* JOSÉ NÊUMANNE É JORNALISTA, POETA E
ESCRITOR.
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