domingo, 3 de novembro de 2013

Cultura ostentativa...



Sociedade

Cultura popular

A criminalização do funk

Nilo Batista denuncia a censura inconstitucional de uma inegável expressão da cultura popular
por Mauricio Dias — publicado 02/11/2013 06:04
"As velhas perseguições aos batuques e ao samba encontraram no funk um novo alvo"
Nilo batista, um dos maiores advogados penalistas do País, mantém sempre um olho na lei e o outro nos costumes sociais. Esse ritual lhe permite entrar na contramão de certas questões para bater de frente com preconceitos cristalizados e flagrar contradições nas leis, aplicadas desigualmente no País dividido em dois. Trata-se do Brasil de cima e do Brasil de baixo. Bebo essa distinção, para que ninguém se equivoque, em Patativa do Assaré, poeta popular que o Brasil de cima mal conhece.
Um exemplo dessa diferença está no texto que Batista escreveu para o livro Tamborzão: Olhares sobre a criminalização do funk (Editora Revan).
Segundo ele, o Brasil chegou aos dias de hoje com variadas proibições, apoiadas no que é denominado delito de expressão: o obsceno (ofensa ao pudor) e apologia (à “paz pública”).
Ao longo do tempo é possível perceber que a “evolução” desse procedimento da legislação criminal seguiu dois eixos e transitou do pior ao “menos” pior.
“No Rio de Janeiro, esses dois eixos sempre concluíram na criminalização de manifestações artísticas populares”, lembra o advogado.
A Constituição de 1988 tentou proteger a “manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo” (artigo 220). Isso bastaria. Mas os constituintes foram além com o artigo 5º, inciso IX, onde declaram “livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Nilo Batista faz a ligação entre o ontem e o hoje: “As velhas perseguições aos batuques e ao samba encontraram no funk um novo alvo à altura da tradição: também uma arte popular, cultivada pelos estratos sociais mais pobres, irreverente e sensual”.
Ele chama esse processo de “asfixia da cultura funk”, ora feita pela astúcia, ora pela força. Editou-se, no Rio, uma Resolução que exige “tantas e tão dificultosas exigências para a realização de bailes que praticamente os inviabiliza”, acusa.
Ao cruzar da ditadura à democracia, a lei mudou. Os tribunais não mudaram.
Batista escreve em tom de protesto: “É inacreditável que essa Resolução ainda não tenha sido declarada inconstitucional”. E avança: “Sempre que o poder punitivo colocou o sistema penal na posição de tutor das manifestações artísticas, o resultado foi um processo escandaloso, que, passado algum tempo, envergonhava a Justiça”.
“Muitas letras de ‘proibidões’ (funks proibidos) são ásperas e chocantes (...) Mas quantas e quantas vezes, no ondulado percurso das tendências e dos estilos, uma vanguarda artística não recebeu esses mesmos epítetos?”, pergunta.
Os “proibidões” chegarão ao fim, porém, como diz o penalista, “não pela falta dos poetas populares, e sim pelo término da inconstitucional perseguição policial”.
Nesse tempo, todos poderão celebrar em seus “permitidões” personagens e episódios das favelas em que nasceram.
O Judiciário deve uma solução clara e firme contra a censura existente.

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