A
década perdida
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em
2002 foi recebida como um conto de fadas. O País estaria pagando uma dívida
social. E o recebedor era um operário.
Operário que tinha somente uma década de
trabalho fabril, pois aos 28 anos de idade deu adeus, para sempre, à fábrica.
Virou um burocrata sindical. Mesmo assim, de 1972 a 2002 - entre a entrada na
diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a eleição
presidencial -, portanto, durante 30 anos, usou e abusou do figurino do
operário, trabalhador, sofrido. E pior, encontrou respaldo e legitimação por
parte da intelectualidade tupiniquim, sempre com um sentimento de culpa não
resolvido.
A posse - parte dos gastos paga pelo esquema
do pré-mensalão, de acordo com depoimento de Marcos Valério ao Ministério
Público - foi uma consagração. Logo a fantasia cedeu lugar à realidade. A
mediocridade da gestão era visível. Como a proposta de governo - chamar de
projeto seria um exagero - era inexequível, resolveram manter a economia no
mesmo rumo, o que foi reforçado no momento da alta internacional no preço das
commodities.
Quando veio a crise internacional, no final
de 2008, sem capacidade gerencial e criatividade econômica, abriram o baú da
História, procurando encontrar soluções do século 20 para questões do século
21. O velho Estado reapareceu e distribuiu prebendas aos seus favoritos, a
sempre voraz burguesia de rapina, tão brasileira como a jabuticaba.
Evidentemente que só poderia dar errado. Errado se pensarmos no futuro do País.
Quando se esgotou o ciclo de crescimento mundial - como em tantas outras vezes,
nos últimos três séculos -, o governo ficou como está até hoje, buscando
desesperadamente algum caminho. Sem perder de vista, claro, a eleição de 2014,
pois tudo gira em torno da permanência no poder por mais um longo tempo, como
profetizou recentemente o sentenciado José Dirceu.
Os bancos e as empresas estatais foram usados
como instrumentos de política partidária, em correias de transmissão, para o
que chamou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, de
"projeto criminoso de poder", quando do julgamento do mensalão. Os
cargos de direção foram loteados entre as diferentes tendências do Partido dos
Trabalhadores (PT) e o restante foi entregue à saciedade dos partidos da base
aliada no Congresso Nacional. O PT transformou o patrimônio nacional,
construído durante décadas, em moeda para obter recursos partidários e pessoais,
como ficou demonstrado em vários escândalos durante a década.
O PT era considerado uma novidade na política
brasileira. A "novidade" deu vida nova às oligarquias. É muito
difícil encontrar nos últimos 50 anos um período tão longo de poder em que os
velhos oligarcas tiveram tanto poder como agora. Usaram e abusaram dos recursos
públicos e transformaram seus Estados em domínios familiares perpétuos. Esse
congelamento da política é o maior obstáculo ao crescimento econômico e ao
enfrentamento dos problemas sociais tão conhecidos de todos.
Não será tarefa fácil retirar o PT do poder.
Foi criado um sólido bloco de sustentação que - enquanto a economia permitir -
satisfaz o topo e a base da pirâmide. Na base, com os programas assistenciais
que petrificam a miséria, mas garantem apoio político e algum tipo de
satisfação econômica aos que vivem na pobreza absoluta. No topo, atendendo ao
grande capital com uma política de cofres abertos, em que tudo pode, basta ser
amigo do rei - a rainha é secundária.
A incapacidade da oposição de cumprir o seu
papel facilitou em muito o domínio petista. Deu até um grau de eficiência
política que o PT nunca teve. E o ano de 2005 foi o ponto de inflexão, quando a
oposição, em meio ao escândalo do mensalão, e com a popularidade de Lula
atingindo seu nível mais baixo, se omitiu, temendo perturbar a "paz
social". Seu principal líder, Fernando Henrique Cardoso, disse que Lula já
estava derrotado e bastaria levá-lo nas cordas até o ano seguinte para vencê-lo
facilmente nas urnas. Como de hábito, a análise estava absolutamente
equivocada. E a tragédia que vivemos é, em grande parte, devida a esse grave
erro de 2005. Mas, apesar da oposição digna de uma ópera-bufa, os eleitores
nunca deram ao PT, nas eleições presidenciais, uma vitória no primeiro turno.
O PT não esconde o que deseja. Sua direção
partidária já ordenou aos milicianos que devem concentrar os seus ataques na
imprensa e no Poder Judiciário. São os únicos obstáculos que ainda encontram
pelo caminho. E até com ameaças diretas, como a feita na mensagem natalina - natalina
leitores! - de Gilberto Carvalho - ex-seminarista, registre-se - de que "o
bicho vai pegar". A tarefa para 2013 é impor na agenda política o controle
social da mídia e do Judiciário. Sabem que não será tarefa fácil, porém a
simples ameaça pode-se transformar em instrumento de coação. O PT tem ódio das
liberdades democráticas. Sabe que elas são o único obstáculo para o seu
"projeto histórico". E eles não vão perdoar jamais que a direção
petista de 2002 esteja hoje condenada à cadeia.
A década petista terminou. E nada melhor para
ilustrar o fracasso do que o crescimento do produto interno bruto (PIB) de 1%.
Foi uma década perdida. Não para os petistas e seus acólitos, claro. Estes
enriqueceram, buscaram algum refinamento material e até ficaram
"chiques", como a Rosemary Nóvoa de Noronha, sua melhor tradução. Mas
o Brasil perdeu.
Poderíamos ter avançado melhorando a gestão
pública e enfrentado com eficiência os nossos velhos problemas sociais, aqueles
que os marqueteiros exploram a cada dois anos nos períodos eleitorais. Quase
nada foi feito - basta citar a tragédia do saneamento básico ou os milhões de
analfabetos.
Mas se estagnamos outros países avançaram. E
o Brasil continua a ser, como dizia Monteiro Lobato, "essa coisa inerme e
enorme".
MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFCAR)
MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFCAR)
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-decada--perdida-,979160,0.htm
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