Uma câmera na mão e uma ideia fixa: ‘pegar safado’
Como um pequeno
comerciante de Brasília conseguiu colher informações sobre irregularidades
envolvendo deputados e senadores
Lúcio Big levou até
o TCU informações que reuniu por meio de internautas na "Operação Pega
Safado"
Se alguém perguntar
ao pequeno comerciante Lúcio Batista o que ele pensa sobre o país,
provavelmente ouvirá como resposta coisas muito semelhantes àquelas que estavam
estampadas nos cartazes que aproximadamente 2 milhões de brasileiros levaram às
ruas no último dia 20 de junho. Ele quer, basicamente, melhores serviços
públicos – em áreas como saúde, educação, transportes e segurança pública. Quer
menos impostos e menos corrupção. E clama por políticos mais comprometidos com
as aspirações da sociedade.
Não tão jovem quanto
a maioria dos manifestantes de junho, Lúcio, 44 anos, guarda em relação a eles
duas características comuns: o desejo de mudar o país e a distância de partidos
políticos. “Sou tão desligado em relação a isso que às vezes estou investigando
um político há um tempão e nem sei o partido do sujeito”, conta ele, que adotou
o codinome de Lúcio Big para viver a persona pública de caçador de
irregularidades contra a administração pública distante da pacata vida privada
de pequeno comerciante, estabelecido em Brasília.
O ativismo de Lúcio
é anterior às rebeliões de junho.Tem atuado como voluntário, faz dois anos, em
movimentos contra a corrupção. Ou, nas palavras dele: “Mexo com essa coisa de
tentar mudar o país já há algum tempo”. Deu esse passo ao verificar que não
poderia ficar apenas reclamando dos políticos. O seu principal instrumento de
ação é o um canal no YouTube.
Em março deste ano,
Lúcio iniciou a sua mais ousada empreitada. Munido de um computador com acesso
à internet, uma modesta filmadora portátil Sony e muita vontade de desmascarar
corruptos, ele lançou a “Operação Pega Safado”, ao qual deu a sigla OPS. Elegeu
as prestações de contas de deputados e senadores como alvo. “Eu já tinha
trabalhado com banco de dados e sempre fui muito curioso. Fuçava de tudo na
internet. Resolvi, então, procurar os portais de transparência da Câmara e do
Senado para ver o que eu encontrava. Encontrei muita coisa suspeita”, disse em
conversa com o Congresso em Foco.
A publicação de alguns
casos suspeitos no YouTube levou dezenas de pessoas interessadas a entrar em
contato com ele. “Muita gente me procurou querendo saber como eu achava as
informações. Foi uma surpresa porque não sabia que tinha tanta gente
interessada em fiscalizar os políticos”, disse. Começou então a fazer tutoriais
– espécie de ferramenta com o passo a passo para ensinar os interessados a
buscarem nos portais da Câmara e do Senado informações reveladoras sobre os
gastos parlamentares.
A “Operação Pega
Safado” nasceu da decepção que teve ao acompanhar no Congresso uma sessão onde
foi discutida a incorporação do ensino de noções de cidadania aos currículos
escolares. “Fui ao Senado para acompanhar a votação de um projeto de meu
interesse e percebi que alguns senadores presentes não prestavam atenção no que
estava acontecendo e votavam de qualquer jeito. O que mais me chamou a atenção
foi o senador Paulo Bauer [PSDB-SC]“, conta.
O comerciante relata
que voltou para casa e logo começou a analisar, pelo portal do Senado, os
gastos feitos pelo tucano com verba pública: “Foi aí que encontrei algumas
coisas suspeitas. Resolvi fazer uma denúncia ao Ministério Público, que me
sugeriu encaminhar os dados ao Tribunal de Contas da União”. Lúcio entregou as
informações sobre o aluguel de veículos pelo senador em Santa Catarina. No
entanto, o próprio TCU aconselhou o comerciante a procurar mais casos para
acompanhar a denúncia. “Eles me disseram que se eu conseguisse mais informações
sobre outros parlamentares, a denúncia teria mais chance de ser investigada”,
explicou.
Foi quando montou a
operação para identificar casos de mau uso de dinheiro público. “Postei um
vídeo no qual pedia para as pessoas me ajudarem a encontrar prestações de
contas com problemas e a resposta foi imensa. Gente do país todo me enviou
informações, fotos e documentos. Dessa forma, consegui fechar uma lista com 20
nomes para entregar novamente ao TCU”. O dossiê foi entregue ao tribunal no
início de julho e está em fase de pré-análise. Caso o Tribunal entenda que as
denúncias são relevantes, iniciará uma investigação.
Desde julho o
Congresso em Foco trabalha na checagem das informações levantadas por Lúcio.
Foi assim que chegamos à série de reportagens publicadas a partir de 11 de
agosto sobre irregularidades com aluguel de veículos e outros gastos feitos por
meio da cota parlamentar. “O que eu gostaria mesmo é de mostrar que qualquer um
de nós pode ser um fiscal dos gastos feitos pelos políticos e pelas
autoridades”, resume Lúcio Big.
Pelo andar da carruagem,
Lúcio conseguirá bem mais do que isso. Enquanto o TCU continua avaliando sua
denúncia, sem abrir investigação a Câmara está prestes a anunciar mudanças nas
regras que disciplinam a cota parlamentar. Segundo apurou o Congresso em Foco,
ela deve adotar quase integralmente as sugestões feitas pelo deputado Chico
Alencar (Psol-RJ), com base nas matérias publicadas por este site.
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