A
escalada da censura
O
Estado de S. Paulo
Mais
uma decisão judicial de primeira instância, desta vez no Paraná, vem demonstrar
que continua a se agravar o problema da censura prévia a órgãos de imprensa,
embora o direito à livre expressão esteja consagrado na Constituição. Liminar
concedida pelo juiz Benjamin Acácio de Moura e Costa proíbe que o jornal Gazeta
do Povo publique informações sobre investigações abertas contra o presidente do
Tribunal de Justiça daquele Estado, desembargador Clayton Camargo.
Em
seu pedido - que inclui também as reportagens colocadas na página da Gazeta do
Povo na internet - Camargo afirma que "os fatos em notícia (...) vieram
impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira". E, ao acatá-lo, um
mês atrás, Moura e Costa salienta o que chama de caráter "degradante e
personalizado" das reportagens, "transcendendo o dever
informativo". Em recurso contra essa decisão, ajuizado neste mês, o jornal
afirma que "não existe qualquer agressão a direitos da personalidade do
autor, mencionado nas reportagens na qualidade de autoridade pública".
A
importância do objeto das investigações não deixa dúvida sobre o interesse da
sociedade de delas tomar conhecimento por meio da imprensa. O Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) decidiu, em abril, investigar denúncia de venda de sentença
pelo desembargador Camargo numa ação que envolvia disputa da guarda de filhos,
em 2011, quando ele atuava na área de Família. Outro procedimento foi aberto
pelo CNJ, no mês passado, envolvendo o mesmo magistrado, agora para investigar
suspeita de que ele se teria valido da sua influência para ajudar a candidatura
de seu filho Fábio Camargo, deputado estadual pelo PTB, a uma vaga de
conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná. Cargo que ele obteve e do qual
tomou posse em julho.
O
fato de o CNJ ter aceitado apurar esses casos demonstra que - embora nada
exista ainda de definitivo contra o desembargador Camargo - eles se baseiam em
suspeitas sólidas. Não resultam de mera especulação do jornal objeto da censura
prévia determinada pela Justiça, em primeira instância.
Quem
mais uma vez colocou o problema em seus devidos termos, e com a habitual
clareza, foi o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto:
"Pessoalmente, entendendo que a liberdade de imprensa é, antes de tudo,
liberdade de informação. Assim, tudo o que for veículo de informação deveria
estar a salvo de qualquer censura". E vale recordar, a respeito deste novo
caso, declaração anterior sua: "Não há no Brasil norma ou lei que chancele
poder de censura à magistratura".
O
que é particularmente inquietante nessa questão é que não estamos diante de
casos isolados de decisões judiciais infelizes. Seu número é crescente. Uma das
primeiras grandes vítimas desse tipo insidioso de censura prévia foi, como se
sabe, o Estado, proibido desde julho de 2009 de publicar notícias com base nas
investigações feitas pela Polícia Federal, dentro do quadro da chamada Operação
Boi Barrica, a respeito de possíveis ilícitos praticados pelo empresário
Fernando Sarney, filho do senador José Sarney.
Em
cinco anos, acrescido agora o caso do Paraná, houve 58 decisões determinando
censura à imprensa. Só no ano passado foram 11, segundo pesquisa feita pela
Associação Nacional de Jornais (ANJ). "Isso tem sido recorrente. Com muita
frequência, essas decisões posteriormente são revogadas (em instâncias
superiores). Mas o mal já está feito", afirma o diretor executivo da ANJ,
Ricardo Pedreira. Sim, porque enquanto vigoram elas causam prejuízos tanto à
imprensa como à sociedade, que deixa de ser informada sobre questões
relevantes.
Sem
falar no quanto tudo isso mancha a imagem do Brasil lá fora. No ranking da
liberdade de imprensa, referente a 2012, divulgado pela ONG Repórteres Sem
Fronteira, a posição do País piorou ainda mais, passando de 99 para 108. O que
esperam ainda os tribunais superiores para pôr fim a esse atentado a um dos
princípios básicos da Constituição?
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