Os
"ismos" da política nacional: coronelismo, mandonismo e clientelismo
O coronelismo e o mandonismo se caracterizam pelas práticas de
mando e coerção realizadas pela elite agrária, visando alcançar interesses
políticos. O clientelismo, por sua vez, é caracterizado pela troca de favores
(costumeiramente, o voto) em uma relação de poder (donos de terra e Estado).
O Túmulo de Francisco Heráclio do Rêgo - um dos ícones do coronelismo brasileiro.
Em razão da ausência de um corpo militar nacional, bem como de
muitas circunstâncias nas quais alguns conflitos armados em defesa dos
interesses da Coroa ou do Império brasileiro careciam de homens para a luta, o
Estado delegou por vezes um poder militar e de polícia a muitos senhores de
terras e patriarcas (formando a Guarda Nacional), os quais ganharam o título de
“coronel”, haja vista a capacidade destes em mobilizar braços para montar um
“exército”. Com a situação regularizada, sem questões de segurança pendentes e
levantes por acontecer, para os quais estes senhores de terra haviam adquirido
tais títulos, tais patriarcas continuaram a usar esta patente que lhes foi
dada, e através dela só ganharam ainda mais destaque e prestígio nesta rede de
relacionamentos pautada na subordinação pessoal.
Ao passo que o direito ao voto vai se ampliando de forma
paulatina, outros atores sociais começam a fazer parte desse eleitorado, mas
sem significar mudanças consideráveis no cenário da política, uma vez que o
cerceamento feito pelo coronel, através do voto de cabresto, iria “vigiar” a
forma como aquele eleitor se comportaria nas eleições. Este é o caso dos
primeiros pleitos eleitorais marcados pelo “voto de cabresto”. Ao se falar de
voto de cabresto, conceitos como mandonismo e coronelismo vêm à tona. Estes
“ismos” marcavam as relações sociais do Brasil rural de outrora e se fazem
presentes até hoje em alguns contextos nos quais a miséria e a escassez de
recursos são latentes no interior do país, como no sertão nordestino. Estes
conceitos definem-se como instrumentos da prática do mando e da coerção,
utilizados pela elite agrária para perpetuar sua influência no seio do Estado
e, dessa forma, refletem os sinais da deformação ou não construção de um
legítimo espaço político, uma vez que esta estrutura de relações subordinadas
impedia a manifestação de outras expressões e interesses políticos que não os
da elite agrária (do coronel).
No entanto, mais do que um mecanismo de coerção eleitoral
propriamente dito, o coronelismo, nas palavras de Victor Nunes Leal em sua obra
Coronelismo, enxada e voto (1975), vai representar também a troca de favores
existente entre o poder local (dado pela estrutura ruralista) e o poder
público, este representado pelo Estado. Ao passo que o Estado vai ganhando
forma dentro de uma perspectiva liberal positivista, vai tendo de confrontar
com o verdadeiro poder, com o poder da prática, do cotidiano agrário, com o
poder do patriarca, do coronel. Este, por sua vez, será peça chave para
estreitar a distância entre o poder público do Estado (entre a elite que
governa na prática) e o eleitorado do campo que na verdade não sente a presença
do Governo, mas sim a do coronel, ao qual realmente se deve lealdade dentro
desta estrutura moral de respeito e de dependência. O coronel, dessa forma, possuiria
uma relação de dominação pessoal sobre seus agregados, e outra de barganha de
favores com os políticos que lhe garantiriam “regalias” em troca do apoio
eleitoral de sua gente, de seu curral eleitoral. Pode-se, talvez, para ilustrar
esta relação, pensar na constituição de um tripé em que o coronelismo seria um
dos pilares fundamentais para se compreender como, na política de um Brasil de
estruturas agrárias, poderia ser possível um diálogo entre elementos tão
distantes como “povo” e Estado.
No bojo do patriarcalismo e do coronelismo em si estão de forma
latente tanto o mandonismo, como o paternalismo. Por meio do próprio mando, da
austeridade de suas regras, é que o patriarca fazia valer seu poder. Era assim,
na figura do paternalista, e personalista de seu caráter, que para si
conclamava toda a direção e regulação de suas terras, de sua gente, e até mesmo
– de maneira direta ou indireta – do Estado.
Não somente o coronelismo, mas também a promoção de políticas
clientelistas são fatores que criam as condições para o estabelecimento de uma
sociedade (ou de um eleitorado) inclinada à apatia em relação aos
acontecimentos políticos, mas corrompida pelo desejo do atendimento de seu
interesse, da esfera privada. O clientelismo representa a troca de favores dentro
de uma relação política por apoio, tendo no voto uma possível moeda de troca
por benesses entre aqueles que detêm o controle do Estado e o eleitorado,
prática muito presente na história política do país, lado a lado com outras
como o coronelismo e o mandonismo.
Remeteu-se, dessa forma, grande parte da autoria dos principais
acontecimentos políticos a uma elite intelectual, a qual “falava” em nome da
nação. À população coube o papel de espectadora, de coadjuvante de passagens
como a Proclamação da República, uma vez que estava tutelada pela elite
política.
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