As faculdades brasileiras estão na UTI
O Brasil tem mais cursos de medicina
que os Estados Unidos. Com problemas de gestão, equipamento e professores, eles
falham na formação dos nossos médicos.
Durante dois anos e meio, a mineira
Izabela Carvalhal, de 22 anos, frequentou um cursinho pré-vestibular para
garantir uma vaga no curso de medicina da Universidade Gama Filho, então uma
das mais conceituadas instituições privadas de ensino no Rio de Janeiro.
Aprovada no vestibular de julho de 2011, Izabela fez as malas e desembarcou no
campus do bairro de Piedade, onde a Gama Filho forma médicos desde 1965. Na
manhã da última quinta-feira, Izabela assistia a uma aula de cardiologia de
forma improvisada, no pátio da universidade. A derrocada do sonho de Izabela
começou no final de 2011, quando o grupo Galileo Educacional assumiu a
administração da Gama Filho. Com a promessa de reerguer uma universidade
endividada, os novos gestores demitiram 600 funcionários e aumentaram o valor
das mensalidades – a de medicina subiu de R$ 2.700 para R$ 3.500 mensais.
O efeito das medidas foi desastroso.
Cresceram a inadimplência e a evasão de alunos.
Professores e funcionários entraram em greve por atraso nos salários.
No
início de agosto, os alunos encontraram um aviso no portão: a Gama Filho estava
fechada e as provas adiadas. O Ministério da Educação suspendeu os
vestibulares. Desde então, 30 estudantes ocupam a sala da reitoria. Izabela não
sabe se conseguirá o diploma. Nem ela nem nenhum dos cerca de 2.100 alunos do
curso.
Por 40 anos, os alunos da Gama Filho
tiveram aulas práticas na Santa Casa do Rio de Janeiro, hospital com mais de
500 leitos. No final de 2011, a direção da universidade demitiu 140 professores
que também eram médicos do hospital. Seria o fim do ensino prático, se 40
professores não tivessem decidido trabalhar de graça para socorrer os alunos.
A
Gama Filho ofereceu como alternativa um pequeno hospital de 40 leitos, na Barra
da Tijuca. Havia mais alunos de medicina que pacientes, e o projeto foi
abandonado. Hoje, os alunos têm aulas práticas no hospital municipal de
Piedade. “Nessa crise, por dó, a prefeitura ainda deixa os alunos estudar no
hospital”, diz a estudante Fernanda Lopes Moreira.
Até 2010, antes da crise, o
curso de medicina da Gama Filho tinha nota 3, numa escala que vai de 1 a 5, no
Conceito Preliminar de Curso (CPC) do Ministério da Educação. Chegou a ser um
dos mais concorridos entre as faculdades privadas do Rio. Se fosse realizada
uma nova avaliação neste ano, o conceito da Gama Filho certamente despencaria.
A direção da faculdade diz que resolverá os problemas de caixa até setembro,
quando pretende retomar as aulas.
O caso da Gama Filho é um exemplo
extremo e dramático dos problemas sérios que envolvem a formação dos médicos no
Brasil. Nas últimas semanas, o país debate a chegada de profissionais
estrangeiros, a maioria cubanos, para trabalhar em locais distantes, onde não
há profissionais.
A solução, já adotada pelo Brasil no passado e por países
como o Canadá, pode resolver um problema emergencial de falta de profissionais.
Mas escamoteia um problema maior, estrutural, que se reflete na saúde pública
nacional: a qualidade da formação dos médicos.
“O país não tem uma formação
sólida na graduação médica”, afirma Mário Scheffer, professor da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Cada vez mais, as escolas não
formam adequadamente”, afirma Florentino Cardozo, da Associação Brasileira de
Médicos (AMB). “Os médicos mais novos dominam muito conteúdo, mas de maneira
trivial. Têm dificuldades em se aprofundar.”
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