País tem quase mil escolas com nomes de presidentes da
ditadura
Das
3.135 unidades escolares públicas que homenageiam ex-dirigentes da República,
976 pertencem aos cinco generais que comandaram o regime militar
Busto
do ex-presidente Costa e Silva divide espaço com desenhos infantis em pátio da
escola municipal que leva o nome, em Botafogo.
Busto do
ex-presidente Costa e Silva divide espaço com desenhos infantis em pátio da
escola municipal que leva seu nome, em Botafogo.
RIO E
SÃO PAULO - Na Escola Municipal Presidente Médici, em Bangu, na Zona Oeste do
Rio, boa parte dos alunos tem pouco a dizer sobre o general que governou o país
de 1969 a 1974. “Minha vó falou que ele era um sanguinário”, conta uma aluna do
8º ano. “O professor de Geografia disse que ele não era uma boa pessoa”, afirma
uma colega de sala, de 14 anos, quando perguntada sobre o gaúcho ditador,
responsável pelo período de maior recrudescimento à liberdade de expressão na
ditadura militar brasileira. Dentro da unidade, porém, há um mural com fotos do
homenageado e, segundo professores, o nome do colégio é usado para abordar o
assunto em sala.
—
Durante a aula, temos que explicar o período Médici deixando que eles tenham o
seu próprio olhar sobre o ex-presidente, com senso crítico. Nossa função é
fazer o aluno se colocar nesse debate. Explicar a razão da homenagem e
contextualizá-la com a época — argumenta Gabriella Fernandes Castellano,
professora de História.
Inaugurada
em 1975, com a presença do próprio Médici, a unidade em Bangu é uma das 160
escolas públicas de ensino básico e pré-escolar no país batizadas com o nome do
ditador. Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que há no Brasil 976 colégios
municipais, estaduais e federais com os nomes dos cinco presidentes do Regime
Militar, de 1964 a 1985 (ficaram fora da conta os ministros da junta que chefiou
o país de agosto a outubro de 1969). Só o marechal Humberto Castello Branco,
que governou de 1964 a 1967, é homenageado em 464 unidades. Ao todo, o país tem
3.135 escolas com nomes de ex-presidentes.
Tributo ao ‘carrasco de Vargas’
Além
dos chefes de Estado, pessoas importantes durante o período também batizam
instituições de ensino. Chefe da polícia política durante a ditadura de Getulio
Vargas, Filinto Müller foi senador e presidente da Arena, o partido que deu
sustentação política ao Regime Miltar. Ele dá nome a dez colégios brasileiros,
como a Escola Estadual Senador Filinto Müller, uma das mais tradicionais de
Diadema, na Região Metropolitana de São Paulo.
Assim
como na unidade municipal em Bangu, onde quase um terço do corpo docente pediu
a mudança do nome há cerca de dois anos, parte da comunidade escolar do colégio
em Diadema também tentou rebatizar o prédio.
— A
comunidade cogitou trocar o nome porque ele teve relação com a ditadura, mas se
entendeu que, apesar disso, há uma identidade muito forte em torno do nome e,
assim, decidiu-se preservá-lo — explica o professor de História e Geografia
Bruno do Nascimento Santos, que lecionou na unidade durante sete anos.
Muitos
alunos de Diadema também ignoram o passado do homenageado. Na saída da escola,
nenhum estudante abordado pela equipe de reportagem conhecia a história de
Filinto, muitas vezes chamado de “carrasco de Vargas”, acusado de fazer prisões
arbitrárias e ordenar sessões de tortura. Em 1936, ele foi o responsável pela
prisão de Olga Benário Prestes, militante comunista e mulher de Luiz Carlos Prestes,
e por sua deportação para um campo de concentração na Alemanha nazista.
— A
escola nunca abriu um debate para falar quem foi ele. Não sei, acho que foi um
senador — arrisca uma estudante de 17 anos.
A
direção da unidade reconheceu, por meio de um comunicado, que não existe na
escola um projeto pedagógico específico para tratar sobre a história de seu
homenageado.
Por
ironia do destino, uma página do Facebook com o nome do colégio, atualizada por
professores e alunos, faz uma defesa ideológica ao comunismo tão combatido por
Filinto. “Acho que o socialismo talvez possa trazer este acesso à cultura de
massa. Fazer como o Mao Tse-Tung fez com a China”, diz a descrição da página na
rede social.
Os pais
de alguns dos alunos reconhecem que o passado do patrono não é boa influência,
mas não veem razão para mudar o nome da escola.
— Os
estudantes não sabem disso, já que passou tanto tempo. Acho que um nome não
interfere na educação deles — pondera o motorista Samuel de Oliveira, de 45
anos, pai de uma aluna.
O
presidente da Comissão da Verdade de São Paulo, deputado estadual Adriano Diogo
(PT), planeja apresentar um projeto de lei para modificar o nome da escola
pública em Diadema.
— Isso
é a eternização da ditadura militar no Brasil. Enquanto não for revisto, a
ditadura não acabou — critica ele.
De
acordo com a advogada Rosa Cardoso, da Comissão Nacional da Verdade, o tema das
escolas com nomes de pessoas ligadas à ditadura militar ainda não foi
amplamente discutido. Mas ela garante que a questão fará parte das
recomendações ao final dos trabalhos do grupo. A advogada, porém, alerta para
os perigos que podem surgir nesse debate.
— Não
podemos ter visão totalitária às avessas e mudar nomes só porque são de
direita. Mas se houver provas de que são nomes de criminosos, devem ser
mudados. E devem ser mudados por movimento da sociedade civil.
A
coordenadora pedagógica da Escola Presidente Costa e Silva, em Botafogo,
Fabíola Fernandes Martins, é contra a mudança. Inaugurada em 1970, um ano após
a morte do marechal gaúcho, a instituição tem, no pátio do recreio, perto de
murais com desenhos infantis e uma mesa de totó, um busto do ex-presidente,
responsável pelo Ato Institucional número 5 (AI-5), que deu poderes absolutos
ao Regime Militar e possibilitou o fechamento do Congresso Nacional. Hoje, 45
anos depois do decreto, Costa e Silva é homenageado em 295 escolas.
Quando
a equipe do jornal foi à escola na Zona Sul do Rio, a unidade não estava
funcionando, devido à greve de professores, e, portanto, não havia alunos para entrevistar.
Mas Fabíola garante que orienta os estudantes a traçar um quadro comparativo do
Brasil com regimes de outros países, para que tirem suas conclusões.
— Temos
que ter cuidado para não haver uma generalização negativa contra a carreira
militar. Procuramos apresentar os fatos históricos, sem contudo, despertar o
ódio às Forças Armadas.
Presidente
da Associação Nacional dos Professores de História (Anpuh), Rodrigo Pato de Sá
Motta enxerga na situação uma excelente oportunidade pedagógica:
— É bom
para mostrar que escola também é espaço de disputa política e aproveitar para
politizar um pouco mais as aulas. A decisão de mudar o nome passa pela
comunidade escolar. Mas não adianta nada mudar o nome e todos continuarem sem
saber quem foi a pessoa. O mais importante é fazer a discussão — argumenta o
professor de História da UFMG.
Leia
mais sobre esse assunto em
http://oglobo.globo.com/educacao/pais-tem-quase-mil-escolas-com-nomes-de-presidentes-da-ditadura-9782672#ixzz2dleQwuXs
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