De onde vem a maldade de
Félix?
Novos
estudos mostram por que há tanta gente como o vilão de Amor à Vida
Trecho
da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
O
vilão Félix, o maior sucesso de Amor à vida, a novela das 9 da noite da TV
Globo, é a encarnação da crueldade. Interpretado pelo ator Mateus Solano, ele
jogou um bebê recém-nascido numa caçamba de lixo, deixou a irmã adotiva sangrando
no chão de um banheiro de bar após o parto, desviou dinheiro do hospital da
própria família e encomendou o assassinato do sócio do pai para cumprir seu
maior objetivo: receber uma herança milionária. Gay enrustido cuja
homossexualidade só foi revelada na semana passada, Félix usava a imagem de pai
de família para esconder suas ardilosidades. Agora, após a revelação, terá de
recorrer a outras artimanhas.
Félix é apenas um personagem de ficção. Como
todo personagem bem construído, porém, ele parece real. Mistura ingredientes
conhecidos de gente má, sem remorso e cruel. Seu comportamento lembra
criminosos com problemas neurológicos. Félix mostrou frieza emocional ao
sequestrar a sobrinha Paulinha (Klara Castanho) logo após o nascimento e
abandoná-la numa caçamba de lixo. Quando reencontrou a menina (já crescida e
durante a recuperação de um transplante), tentou matá-la novamente. Invadiu a
UTI e trocou um remédio por água. Sua tendência para a hostilidade, a
dificuldade para inibir reações antissociais e a incapacidade de suprimir a
raiva aparecem em quase todo capítulo. Félix tem explosões constantes e vive
chamando a secretária, a discreta e eficiente Simone (Vera Zimmermann), de
cadela. Nesta semana, quando descobriu que sua mulher, Edith, o traía, bateu nela
e no filho, Jonathan. Somente alguém com noção reduzida de perigo é capaz de
praticar tantas maldades com a certeza de sair impune.
Como
Walcyr Carrasco, autor de Amor à vida, relata em sua coluna, Félix é assim por
ser “uma pessoa tortuosa, reprimida desde a infância” e “fruto de um pai
repressor e de uma família que finge não saber quem ele é”. Sua concepção se
enquadra na narrativa tradicional sobre o comportamento criminoso,
costumeiramente associado às más influências do ambiente ou das relações sociais
e familiares. Nos últimos 70 anos, esse tem sido o modelo dominante entre os
estudiosos do crime e da maldade. Relegadas desde que serviram de base
científica para as ideologias racistas, como o nazismo, que vicejaram no mundo
ocidental na primeira metade do século XX, as teorias que associam o crime a
características biológicas ou genéticas voltaram gradualmente a ganhar
prestígio em universidades e centros de pesquisa de renome. No ano passado, a
maior conferência de criminologia do mundo – organizada pela Sociedade
Americana de Criminologia – reuniu dez apresentações em que o crime era
relacionado à biologia ou aos genes. Estudos defendendo que criminosos
violentos podem ter predisposição biológica a cometer tais atos ganharam mais
força agora, com os avanços recentes da neurociência na compreensão do
funcionamento do cérebro e de sua influência no comportamento humano.
>>
Walcyr Carrasco: Meu filho Félix
>>
Luís Antônio Giron: A ascensão da “bicha má”
A
fronteira em que a neurociência e a criminologia se encontram é explorada no
livro The anatomy of violence (A anatomia da violência, em tradução livre),
lançado em maio, pelo neurocientista e criminólogo britânico Adrian Raine. O
livro teve grande repercussão nos Estados Unidos e no Reino Unido. Professor da
Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Raine almeja fundar a
disciplina da “neurocriminologia”. Ele postula que muitos comportamentos
violentos, ainda que possam ser estimulados pelo ambiente, têm relação também
com características neurológicas do criminoso. “Muitos criminosos violentos têm
o cérebro fisicamente diferente e estruturalmente deficiente”, disse Raine a
ÉPOCA. Félix, portanto, pode ter sido reprimido e querer se vingar, como sugere
seu criador. Gente como ele, porém, também pode sofrer de disfunções cerebrais.
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