Engolindo a passeata da maconha
Dias atrás, um grupo de pessoas seguiu em passeata
pelas ruas de São Paulo com o propósito de exaltar o uso da maconha e defender
a "descriminalização" da droga. Curiosamente, elas seguiam felizes e
alegres, como se estivessem a fazer um bem à humanidade, mas, certamente, sem
perceber quanto é ofensivo esse seu alheamento em relação ao que se passa no
mundo.
Para essas pessoas desligadas da realidade, e que parecem
olhar somente para o próprio umbigo, a bandeira da maconha representa uma
enganosa luta pela liberdade. Fica a impressão de que nenhuma delas jamais se
preocupou com a vida dos que estão à sua volta, na sua rua, na sua cidade, ou
com os milhões de paulistanos que acordam às 4 horas da madrugada para se
espremerem em ônibus e trens rumo ao trabalho, ou sofrem nas filas dos
hospitais. A melhora das condições do ensino, de saúde e de vida do País não
parece ser para essas pessoas tão importante como liberar o uso do baseado e,
assim, ensinar desde cedo às crianças que essa prática é normal e até mesmo
saudável.
Será que essas pessoas um dia vão ter a grandeza de
utilizar sua inteligência para agirem em defesa dos mais necessitados ou
preferirão seguir a vida sem perceber o que acontece ao lado delas? O vício,
que é o oposto da virtude, tende a levá-los a um desfecho sempre ruim, sem que
nos momentos de embalo se deem conta disso.
O alheamento e a indiferença ofensiva talvez não
sejam culpa direta dessas pessoas, parecendo já refletir uma consequência do
uso da droga, a qual inapelavelmente introduz modificações no caráter e acentua
a capacidade de tolerância e permissividade entre os usuários. O lado trágico
da vida, consistente em não ser desejado, mas ter enormes desejos, costuma
empurrar os mais frágeis para a fuga das drogas, que surge na primeira fase
como uma compensação, sempre passageira.
Os estudiosos dos tóxicos são claros em afirmar que
a maconha, quando chega ao cérebro, estimula a liberação de uma dose extra de
um neurotransmissor, provocando compensatórias sensações de prazer. O organismo
do usuário, na medida em que o uso se prolonga, tenta se ajustar a esse hábito,
e o cérebro acaba por adaptar seu próprio metabolismo para absorver os efeitos
da droga. E acaba por ocorrer no usuário uma tolerância ao tóxico - e esta
constitui o início dos estragos, porque uma dose, que normalmente faria grande
efeito, se torna em pouco tempo inócua, criando uma dependência de cura
dificílima.
Os médicos que trabalham em hospitais psiquiátricos
especializados no tratamento de drogados costumam dividir a dependência em duas:
a dependência física, avassaladora para o organismo, porque tem necessidade
extrema da droga; e a dependência psicológica, que afeta principalmente os
usuários de maconha. Por estarem psicologicamente dependentes da droga, os
viciados em maconha procuram respostas boas dentro de si próprios, como a de
que não são viciados, porque a droga, na visão deles, não vicia; e a de que se
sentem capazes de parar com o uso quando quiserem. Sucede que não param nunca,
porque, até mesmo como efeito social da droga, passam a conviver com pessoas
iguais, as quais sempre têm razões de sobra para desejar e conseguir um
baseado.
O pior de tudo é que para obter a droga passam a
ter de fazer concessões íntimas e submeter-se a exigências que tendem a
degradar o ser humano. É uma caminhada no plano inclinado que muitas vezes
conduz à pior opção de todas: a criminalidade.
Sempre que vejo pessoas defendendo o uso aberto da
maconha me lembro dos adolescentes de arma em punho nos cruzamentos das grandes
cidades. Eles têm extrema necessidade de dinheiro, porque, se não pagarem ao
traficante que lhes adiantou a droga, pagarão com a vida. Daí por que ficam com
o "dedo mole", a qualquer movimento do assaltado puxam o gatilho.
Matar ou não matar não faz diferença alguma, principalmente se forem menores e,
por isso, inimputáveis.
Verifica-se com tristeza nos meios policiais e no
Judiciário que os grupos de viciados adquiriram o perigoso hábito de fazer uma
espécie de "consórcio" para a compra de maiores partidas de maconha,
com o propósito não só de garantir o consumo, como de baratear o custo. Esse é
um risco grave, porque a prisão de consumidor que seja portador de maior
quantidade da droga conduz ao seu enquadramento legal como traficante. A defesa
jurídica desse incauto é sempre muito difícil e complexa, porque os seus
aliados no "consórcio" escorregam celeremente na hora de depor a seu
favor.
Outro lado perturbador do consumo da maconha é
aquele que representa a ultrapassagem da fronteira entre o que deve e o que não
deve ser feito por uma pessoa normal. Arrombada essa porta, inicialmente com o
fumo de um baseado, que "não faz mal", "não vicia", está
aberto o caminho para drogas mais fortes, como a cocaína e outras derivadas da
própria maconha.
Esses viciados, que não se consideram viciados,
parecem não perceber que estão a alimentar a cadeia da criminalidade, porque é
o consumo aberto, a procura pela droga, que estimula a formação das quadrilhas
e o tráfico violento, que chama a atenção do mundo para países como o Brasil e
o México.
Enfim, os participantes da passeata da maconha,
realizada dias atrás em São Paulo, têm alta dose de culpa nesse processo, mas
certamente não estão nada preocupados com isso. Desde que a droga esteja ao seu
alcance, tudo o mais é supérfluo, nada mais importa.
O regime democrático é o mais salutar de todos,
porém nos obriga a engolir sapos permanentemente. Mas para conseguir deglutir
um sapo como esse a gente tem de empurrar com os dedos goela abaixo, porque
senão não passa.
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