20
anos depois Collor continua forte com apoio de ex-algozes
Ex-presidente sempre teve uma postura ambígua: nasceu na
direita, mas sempre flertou com a esquerda, dizem políticos e amigos
Em
um café da manhã realizado na última quinta-feira, em Maceió, o PTB do senador
Fernando Collor confirmou o apoio à candidatura do ex-governador Ronaldo Lessa
(PDT) à prefeitura da cidade. Se tudo correr conforme o esperado, Collor e
Lessa dividirão o palanque com o PT, PC do B e PMDB na eleição de outubro.
Vinte
anos atrás, quando a revista “Veja” estampou na capa o depoimento bomba de
Pedro Collor, irmão do ex-presidente, essa imagem era inimaginável. O PDT,
então liderado por Leonel Brizola, se manteve fiel a Fernando Collor até o
momento em que a derrota era inevitável mas PT, PC do B e PMDB – aliados ao
PSDB – foram os principais algozes de Collor no processo iniciado com as
revelações de Pedro, no dia 27 de maio de 1992, e terminado com o impeachment
do então presidente da República, em dezembro daquele ano.
Lessa,
que hoje recebe apoio incondicional do senador, esteve na vanguarda da oposição
a Collor em nível estadual. A virulência das agressões extrapolou a disputa
política e chegou ao ponto de, por meio de prepostos, ambos se acusarem de
envolvimento em crimes comuns.
“Eu e Lessa eleitos graças ao impeachment de
Collor”, recordou a vereadora Heloisa Helena (PSOL), vice de Lessa na eleição
municipal de 1996.
Em
entrevista por telefone ao iG, o ex-governador comentou com naturalidade a aliança.
“Convidei todos os partidos que estiveram comigo no segundo turno da campanha
para governador (em 2010, quando ele e Collor foram candidatos na eleição
vencida pelo tucano Teotônio Vilela Filho)”, disse Lessa.
Muitas
pessoas falam que fizeram de uma gota d’água um tsunami, diz filho de Collor
sobre o impeachment.
No
almoço de quinta-feira passada, o PTB foi representado pelo dirigente estadual
Fernando James Collor, 32 anos, filho do senador. Segundo ele, as relações
entre os dois ex-rivais vão de vento em popa. “Meu pai e Ronaldo não se
conheciam de verdade. Isso só aconteceu no segundo turno da campanha de 2010
(quando Collor apoiou Lessa). Ele costuma dizer que o que meu pai fez por ele
naquele segundo turno não fez nem por si próprio no primeiro”, disse James.
De
acordo com o filho do senador, a aproximação de Collor com seus antigos algozes
é fruto do amadurecimento político. “Somos seres humanos em evolução. Nossos
problemas mudam. Tudo muda”, disse.
James,
que tinha apenas 12 anos na época do impeachment, verbaliza uma interpretação
que é compartilhada por muitos hoje em Alagoas. “Muitas pessoas falam que
fizeram de uma gota d’água um tsunami”, afirmou. “Não devemos nem mais falar
disso. Devemos olhar para o futuro”.
Para
o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), adversário de Collor nas
eleições de 2010, o atual cenário político do Estado não chega a surpreender.
“Não me surpreende nem pelo PT nem pelo Collor. A política é muito dinâmica e
talvez o que o PT defendia e criticava antes seja o que hoje Collor defende e
critica, ou vice-versa”, disse o governador. “É um sinal de que o impeachment e
tudo o que cercou essa história ficou lá atrás”, completou.
De
acordo com políticos e amigos que acompanharam o surgimento político de Collor,
o ex-presidente sempre teve uma postura ambígua, pois embora tenha nascido na
direita flertou permanentemente com a esquerda.
Collor
foi nomeado prefeito de Maceió em 1979 pela extinta Arena e eleito deputado em
1982 pelo PDS. Em 1984 votou a favor das “Diretas Já” e, depois, apoiou Paulo
Maluf (PDS) contra Tancredo Neves (PMDB) no Colégio Eleitoral.
Em
1986, quando se candidatou ao governo de Alagoas, trocou o PDS pelo PMDB e
adotou um discurso radical de esquerda no qual afrontava a elite dos usineiros
de açúcar e pregava a moralização do Estado. “Ele tinha um discurso mais à
esquerda do que os partidos de esquerda. Falava claramente reforma agrária e
até em confisco de terras dos usineiros”, lembrou o presidente do PSOL de
Alagoas, Mario Agra, que estudou com Collor na faculdade e na época estava no
PC do B. “Era um discurso tão empolgante que ele conseguiu rachar o PC do B
alagoano, levando consigo um pedaço do partido”, completou.
Segundo
pessoas que acompanharam de perto a gênese de Collor, a migração partidária e
ideológica foi puro cálculo político. Em 1986, o campo da direita estava tomado
pelo ex-governador Guilherme Palmeira e restava ao jovem deputado disputar o
espaço no PMDB que à época abrigava correntes de extrema esquerda sobreviventes
da luta contra a ditadura.
Com
apoio dos grupos de mídia da família e aproveitando a onda positiva que deu ao
PMDB a maioria dos governadores naquelas eleições, Collor foi eleito. De acordo
com testemunhas daquele período, o projeto presidencial nasceu antes mesmo de
ele tomar posse. Na semana seguinte à eleição, Collor fez um giro pelo Rio de
Janeiro e São Paulo com o objetivo de tentar contatos com os principais líderes
da esquerda nacional, entre eles Mário Covas (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), Roberto Freire (PPS, então PCB), Ulysses Guimarães (PMDB) e Leonel
Brizola (PDT), que três anos depois seriam seus adversários na campanha
presidencial. Nem todos o receberam. Ao tomar posse, ele chegou a oferecer as
secretarias de Saúde e Meio Ambiente do Estado ao PC do B, que recusou.
Instalado
no poder, Collor, com ajuda do então desconhecido Paulo César Farias, se
reaproximou dos usineiros, a quem concedeu benefícios fiscais que deixaram
sequelas por mais de uma década nas finanças alagoanas e promoveu uma série de
demissões em cargos de confiança que lhe valeu o título de “caçador de
marajás”, com o qual foi apresentado ao restante do País e que lhe serviu de
passaporte para a candidatura à Presidência, em 1989.
Segundo
o atual governador, feitas as contas o saldo final foi negativo para Alagoas.
“A
história que cercou o mandato de Collor na Presidência da República foi mais
prejudicial ao Estado do que qualquer outra ação que ele, como presidente do
País, tenha feito em favor de Alagoas”, disse Teotônio Viela Filho, para quem
hoje Collor continua forte. “Collor é senador da base do governo federal,
presidente de uma das comissões mais importantes do Congresso Nacional, e tem
livre trânsito nos ministérios do PT e partidos aliados. Sim, é claro que ele
está fortalecido”.
O
senador Fernando Collor foi procurado diversas vezes pela reportagem do iG mas se recusou a dar entrevista.
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