Não vai faltar comida
Os
alimentos comprados para consumo da governadora Roseana Sarney e de seu vice em
2012 passam de 68 toneladas.
A
governadora Roseana Sarney. Em 2012, o consumo em seus palácios custará 40% a
mais que em 2011.
Era 1966. Depois de vencer a
eleição para governador do Maranhão, o atual presidente do Senado, José Sarney
(PMDB), autorizou que os festejos de seu triunfo fossem filmados pelo diretor
Glauber Rocha, um dos maiores cineastas da história do país. Em seu discurso de
posse, captado pela lente de Glauber, um cativante Sarney aparece dizendo que o
Maranhão de 1966 não suportava mais “o contraste de suas terras férteis com a
miséria”. Quase meio século depois, a desigualdade persiste e é reafirmada pela
abundância de comida na casa da governadora e filha do orador de outrora,
Roseana Sarney (PMDB).
No fim do ano passado, o Diário Oficial do Maranhão
publicou os editais para a contratação de empresas fornecedoras de alimentos
perecíveis e não perecíveis para as residências oficiais e para a casa de
veraneio da governadora e do vice-governador, Washington Luís. Os documentos
informam que, ao longo de 2012, o governo poderia gastar até R$ 1,67 milhão em
comes e bebes nessas três moradias. Esse valor, 80% maior do que o previsto em
2011, chamou a atenção dos poucos deputados estaduais oposicionistas. Nos detalhes,
a lista de mantimentos de Roseana e de seu vice também é notável. Os minuciosos
editais especificam a marca de cada produto que deve ser adquirido, o peso
unitário e seu respectivo preço. São 410 tipos de comestíveis, que somam 68,2
toneladas de comida, o suficiente para alimentar, ao longo de 12 meses, 31
leões, os animais que dão nome ao palácio que sedia o governo maranhense. Entre
outros mantimentos, os editais falam em 8,3 toneladas de carne bovina de vários
tipos, 384 quilos de peru, 160 quilos de lagosta fresca, 594 dúzias de ovos
vermelhos e 3,7 toneladas de camarão.
Os copos, logicamente, não
poderiam ficar vazios. Na licitação de bebidas para os chefes do Executivo
maranhense, a relação também zela por quantidade, qualidade e diversidade. Foram
listados 64 itens, que somam 23.417 litros de alcoólicos e não alcoólicos. Além
dos sucos e dos 19.433 litros de refrigerante de várias marcas, o edital fala
em 1.275 litros de cerveja, 452 garrafas de espumante, 193 de uísque, 367 de
vinho, 82 de “vodka sueca” e 68 de licor. Tem mais: das 193 garrafas de uísque,
segundo o edital, 113 precisam ser “importado scotch deluxe extra special 12
anos”.
A pedido da reportagem de
ÉPOCA, um grupo de alunos do curso de nutrição das Faculdades Metropolitanas
Unidas (FMU) de São Paulo calculou as calorias totais de todos os produtos
sólidos, líquidos e pastosos listados nos editais de comes e bebes dos palácios
do Maranhão. São 154 milhões de calorias, o suficiente para alimentar 211
pessoas ao longo de um ano. No Rio Grande do Norte, o sistema de compras é
similar ao do Maranhão. Lá, na última licitação, o valor anual para o
fornecimento de alimentos para a residência oficial da governadora Rosalba
Ciarlini (DEM), o hangar e a Casa Civil ficou em R$ 78.585,30. Não chega a 5%
da conta de Roseana Sarney.
No Maranhão, o fornecimento dos
alimentos ficou a cargo de três empresas. A CEG Fiquene conquistou os lotes de
frutas e verduras, frios, carnes, frutos do mar, doces e condimentos. A RNP
Castro, que em anos anteriores já fornecera duas vezes para as residências
oficiais maranhenses, entra agora com as bebidas alcoólicas. A terceira empresa
vencedora foi a Licitar Comércio, que atende Roseana e seu vice com sorvetes e
polpas de fruta. No edital de 2011, estavam separados os alimentos que iriam
para a residência da governadora e os alimentos do vice. Neste ano, sem a
separação, não é possível comparar quanto cada um consome.
O governo diz que as compras
agrupadas “possibilitam descontos maiores pelo fator ‘economia de escala’”,
segundo nota enviada pela assessoria de comunicação do Palácio dos Leões. A
esperada austeridade não se confirmou, já que as despesas cresceram. Em 2011, o
valor máximo estimado nos editais era de R$ 916.225, dos quais R$ 813.099 foram
contratados. No edital de R$ 1,67 milhão deste ano, segundo o governo, R$ 1,14
milhão foi contratado. Em um ano, portanto, sempre de acordo com os números do
próprio governo, os valores contratados cresceram 40% – metade do aumento
estabelecido inicialmente. Comidas e bebidas para eventos e jantares com
convidados são contempladas num outro processo de licitação.
Num primeiro contato com a
reportagem, a assessoria do Palácio dos Leões informou que os alimentos
listados nos editais não servem para atender apenas a governadora e a seu vice,
como aparece no Diário Oficial.
Serviriam também para alimentar funcionários da Casa Civil, empregados do
Cerimonial e até da guarda dos dois palácios. Tudo somado, segundo o governo,
as compras serviriam para atender 82 pessoas ao longo de 2012. Num segundo
contato, a assessoria do Palácio incluiu a Secretaria de Assuntos Estratégicos
e o Corpo de Bombeiros entre os órgãos contemplados pelos editais.
A Casa Civil maranhense tem
outra fonte de recursos alimentares. O governo promoveu outra grande licitação
para comprar comida em 2012, o pregão 023/2011, realizado no fim do ano
passado. O objetivo foi “a contratação de empresa especializada no fornecimento
de refeições preparadas, do tipo quentinha e self-service, para atender à
demanda da Casa Civil e órgãos vinculados”. O valor: R$ 960 mil. Questionada
sobre a aparente duplicidade de compras, a assessoria informou que as
quentinhas são para outro público: os funcionários que não ocupam cargos de
chefia nos palácios do Maranhão.
Até hoje o Maranhão é citado
como um dos campeões nacionais em indigência. Mesmo com o aumento da renda nos
últimos anos, o Estado segue com a maior proporção de pessoas abaixo da linha
da miséria do Brasil – 13% – e com uma quantidade enorme de lares sofrendo com
algum tipo de insegurança alimentar – 65%. Esses dados sugerem que as
autoridades maranhenses precisam tratar a alimentação como prioridade. Não
apenas nos palácios do governo.
http://revistaepoca.globo.com/tempo/Especial/noticia/2012/05/nao-vai-faltar-comida.html
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